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«É preciso sistematizar o financiamento que existe em Portugal para apoiar a investigação em saúde»

Cara a Cara – Luís Taborda Barata

P – Como encara este novo cargo?

R – Com alguma preocupação mas também com entusiasmo. Preocupação por causa do grau de responsabilidade. Entusiasmo porque se trata da possibilidade de, em conjunto com outros elementos do Conselho Científico das Ciências da Vida e da Saúde, poder aconselhar a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) sobre as linhas gerais, bem como aspetos específicos que sejam determinantes para a qualificação e excelência da investigação em Ciências da Saúde em Portugal, bem como a sua densificação também em zonas do interior do país.

P – Como surgiu a nomeação?

R – Surgiu diretamente através do presidente da FCT, Paulo Ferrão. Penso que terá surgido como consequência das minhas atividades de investigação e da coordenação de painéis de avaliação de candidaturas a bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento da FCT, na área da Medicina Clínica e das Ciências da Saúde.

P – Já tem alguma tarefa em especial como coordenador do Conselho Científico da FCT?

R – Não me foi comunicada nenhuma tarefa específica. Contudo, certamente que, como coordenador desse Conselho Científico, me caberá liderar o processo de levantamento, análise e discussão de problemas e preocupações relativas à investigação nas áreas em questão, bem como a elaboração de possíveis propostas de resolução desses problemas, a apresentar ao Conselho Diretivo da FCT. Será fundamental que este Conselho Científico contribua, juntamente com os Conselhos Científicos de outras áreas científicas da FCT, para uma clarificação e consolidação dos referenciais atuais e futuros para a qualificação e procura de excelência na investigação em Portugal, sempre tendo como pano de referência o “benchmarking” internacional ao mais alto nível.

P – Como estão neste momento os programas de apoio à investigação na área da saúde? O que falta fazer?

R – Não se pode facilmente responder a estas perguntas, mas poderia dizer que há financiamento para o apoio à investigação na área da saúde em Portugal, mas que é necessário sistematizar um pouco mais o enquadramento atual, regularizar as calendarizações de oportunidades de financiamento, melhorar a interação entre diversos programas de financiamento, bem como clarificar o contexto em que diversas iniciativas e programas deverão funcionar. Mais ainda, será necessário clarificar e encontrar a melhor forma de adaptação a novos paradigmas de financiamento que envolvem, cada vez mais, um perfil mais político, societário e até empresarial. Um exemplo desta vertente diz respeito ao conceito de “Laboratórios Colaborativos”, que envolvem entidades públicas e empresas privadas.

P – Atualmente os apoios à investigação são maioritariamente do Estado, o que é preciso fazer para atrair os privados para esta área?

R – Acima de tudo é necessário garantir que o financiamento que vem do Estado sirva para capacitar as entidades que fazem investigação clínica para se tornarem mais atrativas para os agentes privados da área da Saúde. Isto implica que haja apoio e incentivo a uma maior translação da investigação para o contexto clínico, nomeadamente com resultados traduzidos na produção de patentes, na criação de emprego qualificado e científico e na melhoria prática dos cuidados de saúde. Certamente que também passa pelo apoio ao desenvolvimento de empresas “spin-off” e “start-up”. Assim, várias medidas têm de ser aprofundadas, integradas e implementadas. Entre elas será fundamental, em primeiro lugar, apoiar iniciativas já existentes. Neste âmbito, penso que será útil apoiar redes como as da Health Cluster Portugal, que ajuda a esclarecer vários aspetos e burocracias ligadas à investigação, bem como a estabelecer parcerias estratégicas e a otimizar aspetos processuais ligados à investigação clínica. Também iniciativas como a da Pt-CRIN, que é uma infraestrutura dedicada à promoção da cooperação nacional e internacional na investigação clínica e cujo objetivo é aumentar a qualidade da investigação, particularmente no que diz respeito a ensaios clínicos com iniciativa do investigador, deverão ser acarinhadas. Neste contexto, a consolidação deste tipo de investigação, através desta rede, poderá melhor capacitar centros clínicos para atraírem entidades privadas ligadas à investigação clínica de medicamentos e/ou dispositivos médicos ou outras ferramentas com utilidade clínica.

Também será fundamental voltar a ativar determinados programas como o Programa de Promoção da Excelência na Investigação Clínica, que integrava vários outros subprogramas de capacitação de entidades, e redes de entidades, para a investigação clínica. Por outro lado, será muito importante implementar e enquadrar adequadamente novas iniciativas que serão fundamentais para atrair provados para esta área científica. Neste âmbito, é importante discutir e analisar o melhor enquadramento legal para os Centros Académicos Clínicos que estão em posição de charneira para serem grandes focos de atratividade para financiamento internacional e privado. Ao reunirem entidades de ensino superior e centros de investigação na área da Saúde, bem como unidades de saúde, o seu papel na formação pré e pós-graduada, bem como na investigação clínica, é particularmente relevante e, potencialmente, poderão servir como agentes catalizadores de maior financiamento, nomeadamente privado, na investigação nesta área.

Um outro exemplo e desafio diz respeito ao novo conceito de “Laboratório Colaborativo”, a que já aludi, e que constitui uma oportunidade de aceder a financiamento adicional, bem como de atrair empresas privadas para parcerias para a investigação clínica em regime de empresarialização competitiva. Aliás, em termos europeus, há vários países – Alemanha ou Reino Unido – onde os Laboratórios Colaborativos já têm um papel primordial na investigação clínica, com resultados de elevada relevância e impacto, e associados à criação de emprego qualificado e científico. Outros aspetos poderiam ser aqui referidos mas penso que estes já dão uma ideia do muito que há a fazer.

Perfil:

Coordenador do Conselho Científico das Ciências da Vida e da Saúde, da Fundação para a Ciência e Tecnologia

Idade: 54 anos

Naturalidade: Coimbra

Profissão: Professor universitário e médico

Currículo: Licenciado em Medicina, pela Universidade de Coimbra (1987); mestrado em Imunologia Clínica, pela Universidade do Porto (1993); doutorado em Medicina, pela Imperial College School of Medicine, Universidade de Londres (1998); agregação em Medicina, na Universidade da Beira Interior (2016). Atualmente é professor catedrático (Medicina) na Faculdade de Ciências da Saúde da UBI, presidente do Conselho Diretivo do Centro Académico Clínico das Beiras, diretor do Serviço de Imunoalergologia do Centro Hospitalar Cova da Beira, vice-presidente do CEFCAP – European Committee of Continuing Medical Education for Practising Allergologists, actualmente integrado na European Academy of Allergology & Clinical Immunology (EAACI), membro do Specialty Committee da EAACI, como representante do CEFCAP, vice-presidente da Associação dos Serviços de Imunoalergologia Portugueses (ASIA) e membro do Conselho Científico do Programa Nacional de Doenças Respiratórias, da DGS

Filme preferido: “Ladrões de Bicicletas”, de Vittorio de Sica

Livro preferido: “The imaginings of sand”, de André Brink

Hobbies: Rugby, ténis, cinema, livros antigos

Luís Taborda Barata

Sobre o autor

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