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Real ou imaginário?

Hoje vou falar de um assunto que me preocupa profundamente e que pretendo partilhar com todos vocês: adultos, jovens, pais e filhos, professores e alunos, e que tem que ver com o imaginário de cada de um de nós.

A situação ambiental e económica do país é de facto gravíssima, no entanto, neste momento também não posso deixar de mostrar a minha inquietação e preocupação perante o “aniquilar” da imaginação humana. Frutos de uma sociedade moderna e tecnológica, onde quase tudo é comprado e oferecido, inclusive a nossa imaginação, fizemos da televisão e do computador os nossos melhores amigos. Já não temos tempo para conversar, contar histórias, ler, já não temos tempo para imaginar…

Na verdade, esta é uma preocupação constante para aqueles que acreditam na necessidade de transformar o sistema, nomeadamente o sistema de ensino actual, e penso que cabe a nós, pais e professores, enquanto peças-chave desse processo, lutar pela imaginação… o caminho a seguir é muito simples…chama-se literatura, chama-se narrativa.

Quanto maior e mais rica for a nossa história de vida pessoal e profissional, quanto maior for o nosso mythos, isto é, a nossa narrativa, maiores serão as possibilidades de desempenharmos uma prática educacional coerente e expressiva. Educar não é somente informar ou mostrar o caminho que pensamos ser o mais correcto, educar é ajudar a pessoa a tomar consciência de si mesma, dos outros e da sociedade, educar é abrir caminhos, é dar a conhecer o tempo vivido, educar é NARRAR porque a narrativa está presente em todos as fazes da vida dos seres humanos. A narrativa é, ao mesmo tempo, voz e letra, é a voz que se transforma em letra e que nos convida à leitura, que nos ensina a viver. É com a narrativa que o homem sonha, chora, ri, vive, ama, sente, conhece e imagina…esta é a magia da palavra, este é o tesouro mais recôndito de cada livro, de cada linha, de cada palavra… porque como diz Sophia de Mello Breyner “o artista, mesmo aquele que mais se coloca à margem da convivência, influenciará necessariamente, através da sua obra, a vida e o destino dos outros”.

Segundo Paul Ricoeur, filósofo francês, que estudou a importância da narrativa e da imaginação no discurso e na acção, a imaginação humana não se limita à percepção, ela está intimamente ligada à narrativa porque é a narrativa que suscita um novo encadeamento e que abre possibilidades de percepções. A linguagem não existe para sua própria glória e cabe ao poeta, “artesão da linguagem que gera e configura imagens unicamente pela linguagem” que se manifesta no texto através de uma identidade narrativa, redescrever a realidade, criando na escrita um mundo próprio, que irá ser reactualizado de múltiplas formas pela interpretação e imaginação do leitor.

Mostrando-nos que não há acção sem imaginação e que esta tem, para além da sua função mimética, isto é de cópia da realidade, uma função projectiva. Ricoeur diz-nos que o homem é o único animal no mundo capaz de iniciar algo de novo e que essa iniciativa prende-se com a liberdade e com a imaginação.

Que a leitura nos abra as portas da imaginação e que a palavra esteja sempre dentro de nós…

Por: Cláudia Fonseca

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