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Que política para o Interior podemos esperar do novo governo?

Assumindo que governará ou a coligação PSD/CDS ou o PS, vale a pena analisar as ideias mestras para o Interior que uma e outra destas forças políticas plasmaram nos programas eleitorais com que se apresentaram nas eleições.

O programa da coligação só muito marginalmente menciona o Interior. A própria palavra apenas ocorre duas vezes num contexto muito específico. Não significa isto que o programa se tenha esquecido do Interior. Mas trata-o numa secção dedicada aos territórios de baixa densidade. É certo que o Interior sofre de uma profunda desertificação, que se intensificou desde que a crise e a austeridade se instalaram no país. Mas substituir a referência ao Interior pela referência a um dos seus problemas é sintoma da habitual condescendência do poder que pensa a partir do litoral.

O programa eleitoral do PS faz, pelo contrário, abundantes menções ao Interior e é verdade que escolheu como uma das suas 21 causas eleitorais afirmar o “interior” como centralidade do mercado ibérico. Contudo, também aqui há condescendência e muita fantasia. Que mercado ibérico? A Beira Interior localizar-se no centro do caminho que vai de Salamanca para Coimbra, ou mesmo de Madrid para Lisboa, apenas significa que os camiões TIR podem passar em abundância pela A23 e pela A25. Está muito longe de ser sequer um princípio de conversa para uma centralidade do Interior ou, simplesmente, porque é apenas isso que se pede, uma maior pertença do Interior a um país que tem de ser mais inteiro.

Para princípio de conversa, seria importante debater três bandeiras. Primeira, ultrapassar o paternalismo assistencialista do Estado e dos seus centros de decisão (em menos palavras: do litoral). Desde a administração pública até à universidade, todo o incentivo é entendido como uma ajudinha, pela qual se paga o preço de aceitar um estatuto secundário, que se perpetua como uma fatalidade. Segunda, ultrapassar regionalismos e as capelinhas dentro do Interior que só embaraçam o desafio mais importante que é o de ter escala, ligando distritos do Interior com ganhos de capacidade, racionalidade e inclusão. Três exemplos: conceber uma oferta de ensino superior universitário e politécnico para toda a Beira Interior, em vez da segmentação com lógica distrital, quando não mesmo concelhia; desenhar um plano estratégico de desenvolvimento económico integrado que discrimine positivamente os projetos que envolvam toda a região; unir círculos eleitorais aumentando o número e a diversidade de deputados que representam o interior. Por último, de nada serve imaginar como devolver capacidades ao Interior sem um conceito positivo de interioridade. Por exemplo, num tempo de precariedade e mobilidade generalizadas, o Interior pode proporcionar maiores oportunidades às pessoas de se enraizarem e de terem um lugar. Não é isso desenvolvimento?

Por: André Barata, filósofo, professor da UBI

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