Pese embora os extraordinários progressos científicos e técnicos registados e as importantes conquistas laborais e sociais que foram sendo construídas com muitos sacrifícios pela acção e luta de muitas gerações de trabalhadores e das suas organizações, subsistem e, nalguns casos, agravam-se velhos problemas decorrentes da oposição de interesses entre o capital e o trabalho, em função de requintadas e globalizadas formas de exploração e da onda de desregulamentação do trabalho que a ideologia e práticas políticas neo-liberais vêm impondo na generalidade dos países, ás quais infelizmente Portugal também não se apresenta imune.
Sob as belas palavras de apelo à flexibilidade e ao risco impõe-se aos trabalhadores um caminho de descaracterização, uma instabilidade permanente e um risco de vida em que o fracasso poderá ser o destino mais comum, sobretudo para os trabalhadores do fundo da escala social.
A proposta do novo código do trabalho é demasiado tecnocrata. Trabalha bem os números mas minimiza as pessoas, esquecendo que quando se trata de trabalho os números falam sempre de pessoas, pois o trabalho tem para além dos valores económicos, outros valores sociais, também eles, como todos sabemos, de elevada importância.
A precariedade tende a generalizar-se e a abranger um número crescente de trabalhadores, incluindo sectores outrora privilegiados, com um estatuto social mais destacado ou com níveis de formação mais elevados. Hoje a precariedade atinge cientistas, professores, enfermeiros e muitos outros profissionais com elevado grau de formação e não só trabalhadores da restauração, dos call-center ou da hotelaria, como no passado.
A característica número um do trabalho precário é assentar num contrato que a pessoa não deseja mas é obrigada a aceitar por não conseguir encontrar trabalho com outro tipo de contrato. Concretiza-se em vários tipos de contrato ou na ausência dele. São os contratos a prazo, a termo certo ou incerto. É o trabalho temporário com multiplicação de empresas cujo único fim é o aluguer de mão-de-obra barata. É também o trabalho independente quando não resulta de uma opção do próprio, mas sim de uma imposição da gestão empresarial que se traduz nos famosos falsos “recibos verdes”, em que um dos maiores prevaricadores é o próprio estado, sendo disso exemplo na nossa cidade, para além de outras instituições estatais, o próprio Hospital Sousa Martins, que apenas no que diz respeito aos enfermeiros já soma nove nestas novas e reprováveis circunstancias contratuais.
O facto do trabalho precário ser baseado num contrato indesejado traz um novo traço à relação laboral: uma relação indesejável que naturalmente não garante nem poderá jamais, enquanto perdurar, garantir motivação do trabalhador e realização pessoal. A acrescentar a esta negatividade está a sua marca de instabilidade e insegurança que influem não só no trabalho e nas relações laborais, mas em toda a vida da pessoa. Com consequentes perdas para o trabalhador, bem como também para as empresas e organizações. A precariedade acarreta assim uma carga social que marca toda a vida do trabalhador, que transporta consigo a contra-vontade e a insegurança. Torna insegura a vida, precarizando-a nos seus mais variados campos: profissional, social, pessoal, familiar e afectivo.
A precariedade torna também objectivamente mais difícil a luta dos trabalhadores que a vivem, dificultando e precarizando a luta dos trabalhadores em geral e das organizações sindicais que os representam. A luta sindical tradicional, assente sobretudo na luta salarial e dignas condições de trabalho, tende a revelar-se impotente quando se trata de responder a uma realidade que afecta pessoas com salários e tipos de trabalho tão distintos, simultaneamente tão dispersas e com uma “crença e esperança no futuro” tão diminutas.
A crescente precariedade do trabalho transporta dentro de si novos e múltiplos factores de descontentamento, de expressão de revolta e potencialidades de novas formas de organização e de acção do movimento social. A precariedade tende assim a afectar cada vez mais todos os trabalhadores, gerando neles insegurança e medos, limitando e afectando a sua forma de viver em família e em sociedade, e consequentemente fragilizando a sua condição como pessoas e como cidadãos.
Por: Joaquim Nércio