Arquivo

Politiquices

Corta!

A ficção sempre soube reconhecer os momentos em que a realidade grita por atenção. Os quatro anos de (des)governação Bush estiveram repletos desses gritos ensurdecedores, que o cinema vai tentando agora pensar e mostrar a quem antes os não quis ouvir/ver. Só assim se explica o cariz tão carregadamente politico de tantos filmes surgidos nos últimos meses.

O alemão Wim Wenders nunca escondeu o seu fascínio pelos Estados Unidos. Pelas suas pessoas, paisagens e fantasmas recentes, num país onde a verdadeira história está ainda a dar os primeiros passos, se compararmos com o fardo de tantos anos passados e camadas sobrepostas de sangue derramado em guerras sucessivas num velho continente como o europeu. O corpo não vê, mas a alma (pres)sente.

Para não perder o que resta desse país que tanto o apaixona, Wenders serviu-se das suas armas para partilhar a sua opinião sobre a desunião de uma nação, dividida entre os que vivem, por ignorância, no medo, e os outros, mais conhecedores do mundo que existe fora de portas, e que procuram por isso outro tipo de resposta. Em Terra da Abundância há um homem que julga ser a pedra basilar de um país inundado de inimigos que o querem destruir, passando todo o tempo a falar sozinho, e a sua sobrinha, que o procura, acabada de chegar à terra que se diz de todas as oportunidades, trazendo consigo uma nova visão, mais conciliadora, do mundo. Recorrendo (mais um) ao digital, Wenders consegue, neste filme, colocar mais perto do registo do real as suas visões, com uma imagem suja e sem maquilhagem, muito próxima de documentários de menor orçamento ou até mesmo de vídeos caseiros. Não será um Wenders vintage, mas aconselha-se vivamente.

Menos realista, colocando-se numa ténue linha entre o thriller politico e o filme de ficção cientifica, também O Candidato da Verdade transporta consigo uma mensagem relativa ao universo politico americano. O remake de The Manchurian Candidate, agora a cargo de Jonatham Demme (Silêncio dos Inocentes), lembra desde logo o tantas vezes esquecido BZ – Viagem Alucinante, com a paranóia à solta. Centrado nas eleições americanas, aqui condicionadas por uma empresa, através da colocação de chips em ex-soldados, Demme promete sempre muito, mas algo se perde pelo caminho. Denzel Washington está uma vez mais brilhante, mas o destaque vai direitinho para Meryl Streep. Por vezes quase nos esquecemos do quão boa actriz ela é. E aquele momento edipiano, é do mais arriscado que o cinema americano nos ofereceu ultimamente. Esquecendo a sensação de que poderia este filme ir muito mais longe nas suas intenções, não deixa de ser o mais estimulante thriller do ano.

Para os menos interessados em politiquices o filme ideal é Sky Captain e o Mundo de Amanhã. Filme onde apenas os actores realmente existem, com todos os cenários feitos por computador, a sua imagem é o que mais sobressai e o que de mais positivo tem este filme, que recupera uma certa ingenuidade e noção de espectáculo que o cinema por vezes esquece. Com um argumento vazio de ideias, Sky Captain é apenas, e só, divertimento puro e duro, que conta com a pior actuação em muitos anos, por culpa de uma Gwineth Paltrow cada vez mais perto de atingir os limites do ridículo. A memória do cinema, de tudo o que foi ficando para trás, é aqui recuperada, quase em jeito de homenagem, e a lista de referências é interminável. Apenas para quem não tiver mesmo mais nada para fazer durante duas horas.

Por: Hugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

Sobre o autor

Leave a Reply