Nos últimos trinta anos a paisagem beirã sofreu transformações profundas, sobretudo devido à acção do poder local na extensão da área “urbanizada” e à alteração na estrutura económica e produtiva, com o acentuado decréscimo (cerca de 70%) da actividade agrícola e a migração das aldeias para as cidades. A administração pública pactuou com uma política fundiária assente no retorno financeiro das operações urbanísticas, não cuidando da organização territorial numa perspectiva integrada. Refugia-se agora no conceito de “cidade alargada” para justificar a construção a eito, numa pulsão centrífuga de desmembradmento.
A expansão da Guarda e da Covilhã foi mais determinada pela topografia do que a de Castelo Branco mas, no geral, as três cidades apresentam zonamentos idênticos do solo urbano: a área destinada a habitação varia entre os valores elevadíssimos de 70 e 86,6%; com 10% afecta à actividade industrial; e menos de 1% a áreas de lazer. Estes valores testemunham o peso da especulação imobiliária na política local e denunciam graves desequilíbrios face ao interesse público e às necessidades demográficas. Em média, a evolução populacional destas três cidades ficou 10% aquém das projecções dos PDM e a construção de habitação aumentou cerca de 20%. (Jorge Carvalho, Ordenar a Cidade, 2003, p.75-8) O resultado é patente no diferencial entre o número de famílias e o número de habitações: no concelho da Covilhã temos, números redondos, recenseadas 20 mil famílias e 30 mil habitações; na Guarda 16 mil para 26 mil; em Castelo Branco a situação piora, com 21 mil famílias para 35 mil habitações. (Álvaro Domingues, Cidade e Democracia, 2006, p.248, 257, 268) Se nestes concelhos há 1/3 de habitações excedentárias, porque se persiste no fomento deste modelo?
Ademais, o “urbanismo” casuístico dificulta a equidade na distribuição da renda fundiária e é pouco consentâneo com a democracia, na medida em que a valorização dos terrenos depende da decisão política na distribuição dos investimentos. Os dividendos e as mais-valias que revertem instantaneamente a favor do especulador imobiliário dão lugar a despesa pública vitalícia, pois as taxas urbanísticas e as cedências de terreno não são suficientes para financiar a construção e manutenção das infraestruturas públicas. Assim, a inexistência de directrizes sensatas lesa os cidadãos a longo prazo.
É, ainda, sintomático que os PDM sejam omissos em relação ao “espaço público” e se eximam de fazer prescrições qualitativas. Constata-se o que era evidente desde o princípio: a dispersão de prédios, sem a qualificação dos interstícios não faz cidade. Não há urbanismo sem desenho, sem critérios de ordem geométrica e formal, sem hierarquia e diversidade de espaços, desde a praça ao jardim. Urge disseminar a inovação urbana e alterar o paradigma expansionista. O programa Polis tentou-o, embora só em Castelo Branco tenha logrado acolher e redefinir algumas práticas da vida colectiva.
O direito à arquitectura, ao ambiente e à qualidade de vida, consagrado na Constituição da República, impõe outra atenção à organização da cidade. Compete às autarquias contribuir para dirimir o défice cultural neste domínio. Porém, quando se encetará o processo de discussão prévio à revisão dos PDM, com vista à aferição da política urbana em prol do verdadeiro interesse público? Que preocupações de evolução sustentável e de complementaridade regional se pensa seguir? Que medidas podem estimular a participação cívica na definição programática da cidade e dos seus bairros, agora que se anuncia um Simplex para o sector da administração do território? Seria bom que o debate político se centrasse neste quadro de oportunidades.
Por: Francisco Paiva