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Pintar o Degradado

Opinião – Ovo de Colombo

Filipe Cortez (n. 1986, Porto) é um jovem artista plástico que explora a decomposição, a degradação, o envelhecimento e o abandono de corpos e espaços arquitetónicos através de desenho, pintura, escultura, instalação, performance e “site specific” (intervenção sobre determinado espaço). Explora, no fundo, o Tempo e a sua passagem. A sua obra, além de nos lançar sobre reflexões quase líricas acerca da efemeridade da nossa existência e dos nossos corpos, que inevitavelmente também se irão decompor um dia, e que não são para aqui chamadas agora, sugere também uma meditação sobre a Arte Contemporânea.

Há uma pergunta, muito habitual, que ninguém tem vergonha de colocar quando vê uma ou outra peça contemporânea mais chocante ou provocadora (que impõe algum tipo de questionamento diga-se, não se limitando à beleza ou à perfeição técnica por si só): “Porque raio é que isto é Arte?” (Já para não falar no clássico: “Eu também fazia isto!”). Porque é que pintar telas a tentar recriar a humidade e as rachadelas das paredes é Arte?

A minha resposta é bastante simples: por causa da maturidade conceptual subjacente e do enorme virtuosismo técnico presente no uso de uma espécie de “trompe l’oeil” (“engana o olho”), ou seja, de pintura ilusória que tenta recriar, de forma verosímil, a tridimensionalidade, onde só existe bidimensionalidade.

Na obra de Cortez não falamos obviamente da representação de estruturas ou espaços arquitetónicos perspetivados de maneira ilusionista, como no caso de um dos expoentes máximos da pintura ilusória de tetos, Andrea Pozzo (Itália, séc. XVII). Mas falamos igualmente de ilusão. E também de surpresa e assoberbamento, ao ver, por exemplo, uma das suas telas pintadas a óleo, que recriam na perfeição as epidemias que se alastram em paredes velhas.

Será que estou a cometer um sacrilégio ao referir uma associação, ainda que superficial, entre um Mestre da pintura Barroca, conhecido por transformar paredes em visões celestes, e um jovem artista que pinta o degradado? É polémico, diria. Não, recuso-me a dizer que é polémico, apesar de ser tentador. Hoje em dia é atribuído valor a muita da arte contemporânea, só porque é “polémica”. Seria injusto atribuir valor a Filipe Cortez só com base na polémica que as suas peças possam causar. Para mim, o valor está na beleza: conceptual, técnica e acreditem, apesar de estarmos a falar de representações de humidade e etc. também na beleza estética – arrebatadora.

Diana Rafaela Pereira*

*Mestranda de História da Arte Portuguesa na Universidade do Porto

Sobre o autor

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