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«Os polícias, que andam na rua, sentem-se sozinhos e desamparados»

Cara a Cara – Entrevista

P – Sendo a Guarda uma cidade pacata, os polícias também sentem medo?

R – Os polícias sentem algum receio. Logicamente que não têm medo de patrulhar a cidade da Guarda como se fosse estivéssemos na Amadora, por exemplo. É totalmente diferente e uma coisa não tem nada a ver com a outra. Embora em qualquer altura possam surgir problemas do género dos que aconteceram há pouco tempo na Amadora. Tendo em conta que se trata de uma cidade fronteiriça por onde passam muitos imigrantes e estrangeiros. Principalmente, durante a noite os problemas podem surgir a qualquer momento. Tanto podem acontecer aqui como em qualquer lado. É lógico que a Guarda como cidade do interior, não tem os mesmos problemas que uma grande metrópole, como Lisboa ou Porto.

P – As mortes recentes trouxeram algum receio ou instabilidade aos polícias?

R – Sim, nota-se até pelos movimentos que têm agora existido pelos diversos sindicatos da Polícia. Tem havido uma série de reuniões com o Ministério da Administração Interna e com a direcção nacional da PSP. Trazem alguma instabilidade, porque reflectem o que há muito tempo é reivindicado. A polícia não é equipada convenientemente, não tem sido dado o apoio e a força suficiente aos elementos que andam na rua, por isso sentem-se sozinhos e desamparados. Porque não têm o apoio dos superiores que deveriam ter, não só a nível psicológico, mas também material.

P – Acha que se estivessem melhor armados os agentes estariam mais seguros?

R – Não. Por vezes não é com as armas que se resolvem as situações, é mais com a acção psicológica. Claro que, um elemento da polícia que ande a patrulhar à noite, as ruas estreitas e desertas da cidade, sente-se mais seguro se tiver material pelo menos igual, já nem digo melhor, ao dos possíveis criminosos. Em vez de andar com uma arma com trinta ou quarenta anos, que é o que acontece no comando da Guarda. As armas que estão ao serviço estão ultrapassadas. Dou o meu exemplo, a arma que tenho, ainda hoje, foi a que me deram quando vim para este comando há cerca de vinte anos. Já na altura era usada.

P – Quais é que foram as consequências práticas destes acontecimentos ?

R – Acho que foram tomadas medidas práticas, mas só nas zonas dos crimes, tanto na Cova da Moura, como na Amadora. Aí tem havido policiamento mais eficaz e a intervenção das forças especiais da polícia, nomeadamente, do corpo de intervenção. Ao nível dos comandos no interior do país continua tudo na mesma.

P – O que é que podia ser feito para evitar estes desfechos?

R- Primeiro, evitar que os agentes andem a patrulhar sozinhos, principalmente, durante a noite. A legislação também devia ser alterada com alguma urgência, porque é desmotivante um agente deter um individuo por assalto a um estabelecimento comercial. Leva-se a Tribunal e na maioria dos casos os detidos ainda saem primeiro do que os próprios agentes, que têm que ficar a fazer o relatório e a assinar papéis, por exemplo. Claro que há um certo desânimo e desmotivação nos agentes, não por culpa dos Tribunais que fazem cumprir a lei, mas pela própria legislação, que não está adequada à situação actual.

P – Mediante estes acontecimentos acha que é urgente rever o estatuto dos polícias?

R – Há muito tempo que andamos a debater a revisão dos estatutos e regulamentos, nomeadamente, o regulamento disciplinar que é antigo ou a própria lei orgânica, que está desactualizada. Mas até agora os diversos governos tentam sempre atrasar essa revisão, já me chegaram às mãos projectos e decretos de lei que continuam nas gavetas.

P – Os polícias estão bem preparados?

R – O tempo de escola é pouco, para além que é mais virada para a teoria. Porém, nós não temos que decorar as leis, temos é que saber onde é que podemos consultá-las e saber interpretá-las. Por exemplo, a parte prática de tiro não está adequada à realidade. Para além que há elementos destacados em determinados comandos que não treinam e há muito tempo que não fazem tiro. Acho que a Polícia de Segurança Pública devia ter um sistema contínuo de treino de tiro.

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