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«O Governo Civil é aquilo que quisermos que seja»

Entrou para a Câmara da Guarda em 1988 e desde então nunca mais deixou as lides autárquicas. Em 1995, com Abílio Curto suspenso de funções, Maria do Carmo Borges assumiu os destinos da autarquia. Dois anos depois apresentou-se como cabeça de lista do PS à

P – Quando o seu antecessor assumiu o cargo dizia-se que seria o último Governador Civil do distrito da Guarda. Passados três anos os Governos Civis mantêm-se. Será a última governadora ou acha que o processo terá uma inflexão?

R – Não sei. Neste momento o Governo Civil existe e é isso que interessa. Mas estou convicta que poderão vir a desaparecer quando a regionalização for uma realidade, o que ainda não é o caso. Até lá não faz sequer sentido falar nessa questão. Também não sei se serei a última, pois posso vir a ser substituída na função. Neste momento convidaram-me para ocupar o cargo, e eu aceitei com muito gosto e muita honra por ir trabalhar com o actual Governo.

P – O Governo Civil deveria ter mais atribuições?

R – Vamos ter que trabalhar com as que temos. Há que ter em conta que os Governos Civis podem unir vontades e levar por diante várias tarefas que este distrito tem que resolver. Por tudo isto, penso que têm as competências que devem ter e depois logo se vê… Acho que o Governo Civil também é aquilo que nós quisermos que seja, isto é, a sua intervenção depende em muito das pessoas que estão em funções. E vou fazer chegar tudo o que é ansiedade e vontade da população do distrito ao Governo.

P – Após 18 anos na autarquia, com quase dez anos de presidência, como é que irá conviver com um cargo vazio de poder?

R – Não diria que seja um cargo vazio de poder… Mas também não foi o poder que me atraiu na Câmara da Guarda. São cargos completamente distintos. Enquanto numa autarquia se executa e fazem obras, o Governo Civil pode ser o motor para que as obras aconteçam. Agora, neste preciso momento, há um misto de vazio por deixar um lugar em que gostei muito de trabalhar, mas também alguma ansiedade.

P – Não vai sentir nostalgia do poder decisório e executivo?

R – Provavelmente, de facto são muitos anos. Mas há sempre um momento em que tem que se dizer “basta!”. Desde que me candidatei, pela primeira vez, a presidente da Câmara que disse que sairia em 2005. Por isso, não fazia agora nenhum sentido continuar. Entretanto surgiu a hipótese de estar disponível e aceitei o convite para desempenhar o cargo de Governador Civil, pelo que fica a nostalgia, porventura a saudade, das pessoas com quem se trabalhou durante muito tempo, dos espaços ou dos sítios. Isso faz parte da vida. Agora a situação é outra. O passar dos anos também faz com que não nos adaptemos com tanta facilidade, mas de qualquer forma estou convicta que vai ser fácil.

P – Não vai ter a tentação de influenciar as decisões do seu sucessor na Câmara da Guarda?

R – Não! Farei tudo por tudo para que isso não aconteça. Mas também sei que vou ser substituída por uma pessoa que respeito muito, com uma personalidade muito forte e por isso também tenho a certeza que não se deixaria influenciar. Não quero dizer que não haja alguns assuntos ou problemas que ficam pendentes, que não possamos falar deles, com a clareza de quem esteve muitos anos a trabalhar em conjunto. Claro que pode haver troca de impressões ou de ideias, mas tenho a certeza absoluta que nem Álvaro Guerreiro se deixaria influenciar, nem eu própria usaria essa forma para influenciar o que quer que fosse.

P – Já tem alguma ideia daquilo que gostaria de concretizar nestes primeiros meses?

R – Acho que há temas-chave que obrigatoriamente temos que abordar ao nível do distrito. Desde logo a saúde, com o Hospital Sousa Martins ou o Hospital de Seia, à cabeça; a educação, o ambiente, as vias rodoviárias, mas também o turismo e outras áreas que devem ser consideradas as nossas bandeiras. O Governo Civil deverá funcionar como um interface, como local de discussão e pólo de aproximação das forças vivas do distrito.

P – É possível no Governo Civil fazer o que não fez na Câmara em termos de liderar e unir o distrito?

R – Acho que não competia à presidente da Câmara liderar a nível do distrito, essa é uma falsa questão. A autarquia nunca fugiu às suas responsabilidades, porque a união do distrito não pertence a uma só câmara. Dá-me vontade de rir quando alguns autarcas fazem essa acusação, pois, de uma maneira geral, pensam sempre que quando outros sugerem determinadas coisas o fazem para diminuir o seu poder. Um distrito depende muito de todas as câmaras municipais. Talvez seja mais fácil estando no Governo Civil, não para assumir essa liderança, mas para criar formas de fazer com que as opiniões das várias autarquias se conjuguem no sentido de criar melhores condições para o distrito. E isso fá-lo-ei.

P – Não lhe parece que houve uma demissão de liderança da Guarda no processo das Comunidades Urbanas?

R – Não. Quando se fala das Comunidades Urbanas culpa-se sempre a Câmara da Guarda por o distrito não estar unido, mas isso não é verdade. Agora que posso falar abertamente dessa questão, recordo-me bem que houve quem trouxesse documentos de unidade do distrito, com a assinatura de todas as autarquias, e depois, sem se saber bem porquê, três desses municípios saíram. Durante os últimos três anos houve sempre a vontade de fazer discursos negativistas, para se atingir a Câmara da Guarda de qualquer forma, esquecendo-se, ou pensando, que assim as pessoas iam ignorando aquilo que não se fazia. Na altura achei que não valia a pena responder a esses ataques, pois não é inútil alimentar discussões estéreis, mas acredito que a história fará certamente o balanço certo.

P – Então de quem foi a culpa?

R – Quando estamos num distrito onde onze Câmaras pertencem ao PSD, duas são do PS e uma do Movimento do Partido da Terra, a falta de liderança não é, supostamente, da Câmara da Guarda. Contudo, tenho que reconhecer que tive sempre a maior solidariedade dos autarcas dos oito municípios da Beira Interior Norte, independentemente da cor partidária. Porém, houve vários interesses que se cruzaram e com os quais a Guarda não podia pactuar. Por exemplo, para que Gouveia ficasse do lado de cá, a Câmara não podia compactuar com uma comunidade que fosse só Seia, Manteigas, porventura Celorico da Beira, Guarda e Covilhã. E os outros? Isso é que seria falta de solidariedade com os mais pequenos ou com quem ficava nas franjas! Mas agora, de acordo com o programa do actual Governo, as Comunidades Urbanas passarão a ser Associações de Municípios.

P – Que comentário lhe merece a eleição de Carlos Pinto para presidente da ComurBeiras?

R – Chegámos à conclusão que era a mais lógica, pois deveríamos orientar esta eleição como acontece com os órgãos da Associação Nacional de Municípios. Ou seja, que a força política mais representada indicasse o candidato à presidência e que nas vice-presidências ficasse representado o partido imediatamente a seguir, o que aconteceu, ficando a Câmara de Belmonte a representar o PS. Por isso correu tudo bem. Estou convencida que Carlos Pinto irá fazer um bom trabalho.

P – Acredita que ainda é possível reivindicar alguma coisa no Governo Civil?

R – Não é uma questão de reivindicação, mas de informar e fazer força junto do Governo para resolver as lacunas do distrito.

P – Qual é a equipa que a vai acompanhar?

R – Ainda não chamei ninguém, mas vou solicitar à Câmara para que a pessoa que hoje me secretaria me acompanhe para o Governo Civil. Quanto ao adjunto ou chefe de Gabinete, ainda não pensei nisso.

P – Fernando Cabral disse que caberá ao Governador Civil coordenar a nomeação das pessoas que vão ocupar a chefia dos serviços da administração pública na Guarda. Que critérios vai usar?

R – É uma questão que não gostaria de abordar. O primeiro-ministro disse que quer analisar e saber quais são os lugares realmente de índole política ou técnica, portanto ainda não sei o que pensam os diferentes ministérios sobre substituições. No entanto, acho que seria correcto e importante que os actuais representantes dos organismos do Estado no distrito colocassem os seus lugares à disposição, à semelhança do que aconteceu com o PS. Também será importante que nesta legislatura seja determinado quais são os lugares de confiança política e que se faça legislação sobre essa matéria. Este país não pode assistir, no final de cada ciclo, à mudança de cadeiras, como tem vindo a acontecer.

P – É uma reforma antecipada da vida política?

R – Acho que não. A minha ideia era abandonar a parte intensiva da vida política, por isso já tinha premeditado que deixaria a autarquia em Outubro e regressava a outras actividades. Afinal, isso não irá acontecer, pelo que já não afirmo que isto será a minha reforma política, vamos ver… Já não me atrevo a dizer nada a esse respeito.

P – Como avalia o desempenho do seu antecessor?

R – Não acompanhei de perto a sua actividade, nem estou por dentro da funcionalidade do Governo Civil para poder avaliar o seu desempenho. Mas sinto pelo anterior Governador Civil, Joaquim Lacerda, uma simpatia muito grande e uma amizade de longa data. Acho que as pessoas desempenham sempre os cargos da melhor forma que sabem e estou convicta que ele assim fez.

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