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Os Inconvenientes do Silêncio

Giordano Bruno destruiu os olhos a observar o Sol. A cosmologia vigente não o convencia. Segundo esta, o Sol, tal como os restantes corpos celestes, girava em volta da Terra. Era aqui, afinal, que tinha tido lugar a Criação. Era aqui o lugar do Jardim do Éden, do nascimento e martírio de Cristo, da promessa da Vida Eterna. Demasiadas maiúsculas para os olhos feridos, mas perspicazes, de Giordano Bruno.

Concluiu, contra todas as doutrinas da Igreja (em maiúscula), que era ao contrário, que a Terra, onde Deus tinha aparecido aos profetas e dado em sacrifício o seu Filho primogénito, girava em volta do Sol. Por muitas e imponentes maiúsculas que dissessem o contrário.

As implicações da sua descoberta eram tremendas. A Terra, afinal, não era o centro do Universo. Havia toda uma imensidão para lá das trevas cósmicas e, visto lá de longe, o planeta onde tinha sido sacrificado Jesus Cristo era um grão de areia perdido no infinito (sem maiúscula). Perdida nos confins do Universo, a Terra e as crenças dos seus habitantes eram pouco menos que irrisórias. Se não fosse aqui a raiz, o centro de Tudo, então como justificar toda a Teologia, com o seu cortejo de proibições, obrigações e tudo o mais que foi inventado para tornar a nossa vida infeliz?

Giordano Bruno foi queimado na fogueira pela sua blasfémia no ano de 1600. A Igreja de então não foi capaz de se adaptar à realidade que ele trouxe à luz. De se tornar maior do que este grão de areia perdido nos confins da Via Láctea. Mas este foi apenas um momento mau na história do cristianismo. Depressa se descobriu que da discussão nasce a luz. Que apenas pode ser alcançada a verdade, ou ao menos uma aproximação, se ao menos dois homens puderem partilhar entre si as suas dúvidas.

Entretanto, os muçulmanos continuaram firmes nas suas certezas. Todas as heresias (firmadas há quase um milénio) continuam a ser punidas pela morte. Com este castigo, mais vale obviamente ficar calado – e a ciência, a tecnologia, o progresso, são possíveis apenas com a livre discussão, a livre troca de ideias. Continuam hoje como estavam os católicos em 1600.

Sugestões:

Uma pergunta: Como é possível o Benfica de hoje, que acabou de derrotar com justiça o campeão europeu (com minúsculas), ter perdido com equipas como o Guimarães ou o União de Leiria (ressalvo o Sporting: a melhor equipa a entrar na Luz no último meio-ano), que têm, como único trunfo, a sua pequenez?

Um livro: Da Alvorada à Decadência (Jacques Barzun, Gradiva 2003). Este livro explica tudo, incluindo a tragédia de Giordano Bruno, menos a irregularidade do Benfica (mas entramos aqui nos mistérios cosmológicos, ou então no terreno puro e duro da Blasfémia). Explica por exemplo, nas suas circunstâncias, o atraso de Portugal: foi traduzido para espanhol em 2001 (e não em 2003), vai em Espanha na terceira edição (primeira em Portugal) e é lá mais barato.

Um filme: O Porteiro da Noite, de Liliana Cavani (com Charlotte Rampling e Dirk Bogard). A dúvida, mais uma dolorosa vez, agora ao arrepio de todas as nossas crenças e de todas as grelhas do bem-pensar.

Por: António Ferreira

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