Salazar já lá vai, mas continuamos sós. Cada vez mais sozinhos na esquizofrenia de grande parte de uma população que ora descasca no trigo, porque gosta do joio, ora se farta do joio e reclama o regresso do trigo. Outros há que não olham ao trigo nem ao joio. Gostam e beneficiam de ambos por igual. Fala-se em governação mais à esquerda e mais à direita. Tretas. É um regime de “alternadeira” que governa ora a bem dos interesses da casta, ora a bem de interesses particularistas. E a diferença é nenhuma.
Fora do sossego da nacional endogamia vigente, na França definha a esquerda e crescem o liberal-conservadorismo e a direita nacionalista. Na Itália governam ex-comunistas que se dizem socialistas mas acabam por se afirmar como uma esquerda liberal ao estilo nórdico. E as ruas logo respondem, como há menos de duas semanas, com a primeira greve geral transalpina contra um governo de esquerda. Esquerda que legisla à direita no trabalho e contesta à esquerda na Europa. Liberais do centro, portanto.
Na Espanha o Podemos assusta, naquele que é um movimento contestatário da própria dicotomia envelhecida entre esquerda e direita. Mas, mesmo assim, o PSOE já lidera as sondagens e o partido de Pablo Iglesias ainda denota dificuldades para se afirmar como alternativa credível para o povo espanhol. O secretário-geral socialista até já defende uma revisão constitucional. E na Catalunha agradecem.
Diferente é a situação na Grécia. O Syriza, que mais não é do que de extrema-esquerda, que também o é, é um partido de inspiração anti memorando, lidera as sondagens para umas legislativas que podem acontecer já em janeiro. No governo, a coligação social-democrata, embora se autoproclamem conservadores e socialistas, tenta tudo para aguentar o poder pelo menos até ao final de 2015 e assegurar um programa, provavelmente cautelar, de linhas de crédito salvaguardadas pelos parceiros da “troika”. Já não importa a ideologia, apenas a sobrevivência. A Europa olha com medo, e até Passos Coelho aponta o dedo aos gregos que comem criancinhas.
Em ano de eleições no sul europeu, à ebulição alheia Portugal responde com mais do mesmo. É preciso uma governação de esquerda patriótica, diz o PS. Lá vêm os despesistas socialistas, acusa o PSD. No meio, sempre no meio, o PS e o PSD, que são sociais-democratas, dizem-se socialistas, no primeiro caso, e de direita, no segundo. Enganam-se e tentam enganar quem há muito se desenganou. São o bloco central que aspiraram ser. Não querem mudar, nem que o resto mude. Dá jeito uma esquerda desresponsabilizada e uma direita que é centrista. O António Costa, que rejeitou acordos à direita, já emendou a mão e lembra Mário Soares e Mota Pinto.
À mais do que provável vitória de Costa nas legislativas, ninguém espera que corresponda uma coligação de vontades ideologicamente à esquerda ou à direita. Quer-se apenas autenticidade. E deviam começar por explicar que não são de esquerda nem de direita. Deviam apenas, e já não é pouco, dizer ao que vêm. As pessoas podiam estranhar a sinceridade, mas já era um bom começo.
Por: David Santiago