Luísa foi engordando ao longo dos anos, à razão de mais de um quilo por cada uma das suas cinquenta e duas primaveras – começando a contagem na vigésima segunda. O sobrinho mais pequeno, do alto dos seus cinco anos fez-lhe um dia o diagnóstico: “tia, estás obesa”. A cruel verdade era que a Luizinha que o Manel tinha levado ao altar foi ficando emparedada por detrás de camadas sucessivas de gordura. O Manel, hoje sócio-gerente de uma empresa de construção civil, embora agradecido (em silêncio) pelas camisas passadas, pela boa comida na mesa, pelos cuidados aos filhos, já esqueceu há muito a Luizinha. Quando fala da mulher com a Cátia Vanessa, a secretária da empresa, com quem tem um caso, chama-lhe “a baleia”.
Luísa nunca teve um emprego. Nunca descontou para a Segurança Social, nunca interferiu nos negócios do marido ou tentou, sequer, compreendê-los. A vida dela é tratar da casa, dos filhos e do marido. Quanto a este, ela vai fingindo não reparar nos sinais. A mudança de Old Spice para Égoist, a roupa de marca, o súbito interesse na aparência geral, sabia-o já Luísa, não eram por ela. Um dia confrontou-o com as suas conclusões e levou como resposta um murro, o primeiro de muitos. Quando ficaram os dois sozinhos em casa, depois de os filhos partirem para a universidade, tudo piorou. O marido deixou de lhe dar dinheiro, trazendo ele próprio a comida para casa, quando vinha comer, e pagando as contas através do banco. Começou a bater-lhe por motivos cada vez mais fúteis, mais mesquinhos. A camisa mal passada era um possível pretexto, como o sal a mais na comida, ou a menos, ou então apenas porque ela estava a olhar para ele “com aquele olhar”. Quando vinha dormir a casa, e cada vez vinha menos, dormia no sofá da sala.
Um dia o marido falou-lhe de divórcio. Que não se entendia mais com ela, que estavam a perder tempo um com o outro, que era melhor seguirem cada um a sua vida. Ele ia ajudá-la, não muito, que a empresa não ia muito bem e ele apenas declarava o salário mínimo para reduzir despesas – quando havia dinheiro para ele receber o salário mínimo. Ou ela não ouvia na televisão as notícias sobre a crise do sector do imobiliário? E, já agora, que ficasse ela a saber que a casa estava hipotecada e o Audi em leasing.
Aqui temos Luísa na consulta gratuita na delegação da sua cidade da Ordem dos Advogados. Dizem-lhe da nova lei que aí vem, segundo a qual o marido pode divorciar-se quer ela queira quer não, faça ela o que quiser. E a jovem advogada, em toda a inocência, ouvida a triste história da Luísa, diz-lhe: “mais valia você ficar viúva do que divorciada. É que, divorciada, nem a subsídio de desemprego, porque não tem descontos, nem a pensão de alimentos, que ele só declara o salário mínimo e a empresa parece estar mal. Como viúva, ao menos ficava com direito a uma pensão e a hipoteca da casa ficava distratada.”
Luísa, deitada sozinha na sua cama enquanto o marido dorme na sala, pensa no que há-de fazer da sua vida. Não se pode divorciar; não pode continuar assim. Se ele ao menos morresse…
Por: António Ferrenra