O leitor vai, desde já, capacitar-se – absolutamente capacitar-se –, quer alguma vez se tenha, ou não, posto a questão, de que só há dois tipos de pessoas: a massa e o escol. Este é percentualmente residual e a sua condição de residual resulta – tão-só – da sua responsabilidade – perante si mesmo, antes de mais nada (ética, moral, relacional, social…) – e da sua insaciável curiosidade.
Ao possuir um tão estrito – mas, simultaneamente, tão amplo – programa vital sente, desde logo, que na Vida, tem que ter o tempo do seu lado (aproveitando-o ao máximo, claro) e que, por ser tão escrupuloso, os fundamentos do que lhe aparece (da vida humana à sua volta) têm que buscar-se muito para além das meras causas e consequências humanas. Uma das suas mais céleres conclusões é que nem o que passa por ser verdade o é, nem as razões justificativas geralmente apresentadas o são. Falamos de meras causas e consequências humanas, porque é no plano da consciência que tudo deve situar-se. Qualquer espírito menor é capaz de alinhavar muitas frases e discursos…
O escol sabe coisas como, v.g., esta: atraímos para nós o que condenamos aos outros; só as pessoas de excepcional categoria deviam presidir aos destinos da comunidade; uma excepcional categoria leva tempo a adquirir-se e resulta de uma indefectível disposição para o conhecimento e esforço, a qual, nem por um mícron, se desvia do seu caminho; os embusteiros têm a tarefa absolutamente facilitada porque se dirigem a massas crédulas, não raro, aliás, imbecilizadas, fanatizadas, muitas vezes com vantagens materiais concedidas pelos tais embusteiros.
Embusteiros e massas fazem um conjunto congruente.
Di-lo a imprensa portuguesa, falada ou escrita, e nós sabemo-lo até ao mais fundo das nossas vísceras, porque o deprimente espectáculo oferecido pelos que passam por ser dirigentes tem os resultados que se sabem.
Na Educação, que é, simultaneamente, a revelação da concreta educação de um povo num dado momento, a revelação da preocupação com ela havida desde antanho, e a “revelação” das capacidades da Grei para se afirmar para futuro, dizer catástrofe é ser rigorosamente fiel à verdade.
Ou os portugueses despertam para este domínio, ou só os mentecaptos se surpreenderão com o porvir.
Na coesão social, que é, dentro de uma comunidade, sentirmo-nos bem todos com todos, as greves havidas (queiram ou não queiram os seus detractores, os professores não são apenas um insubstituível escol, mas um escol que deve ser acarinhado) são apenas um dos indicadores (uma revolução feita para democratizar foi, isso sim, fautora de muito graves desigualdades, tanto que o fosso entre ricos e pobres aumenta como em nenhum país da União Europeia).
Na Cultura, o Latim e o Grego – apenas dois exemplos –, que são pilares de qualquer sociedade que se preze de ser prospectiva, de se conhecer, viver altaneira com a mais alta auto-estima e estar optimista relativamente ao futuro, pura e simplesmente foram banidos. (Entretanto, uma homenagem sem palavras à Doutora Maria Helena da Rocha Pereira por ter ganho o “Prémio Manuel Antunes”).
E se o Acordo Ortográfico se assinar é a perfeita capitulação perante a barbárie, porque, antes de ter um “valor económico”, como dizem alguns, um idioma é um intangível espírito, uma incoercível postura idiossincrásica.
Explico-me melhor. O Português no Brasil resulta de 70.000 portugueses (calcula-se), maioritariamente analfabetos, que nos séculos XVI e XVII aí se fixaram, superando “os idiomas indígenas e desenvolvendo um perfil próprio em pronúncia, sintaxe e léxico”. Mais. “O português brasileiro apresenta um amplo leque de variedades que, pese a serem mutuamente inteligíveis, se inserem num marco de conotações sociais”. Em suma: “há uma situação de insegurança linguística que tanto confunde os falantes nativos como os forasteiros interessados em aprender o Português”. Citações a partir de El portugués, hoy, de Milton A. Azevedo, in Revista de Occidente, nº. 320, Enero 2008.
O 25 de Abril foi entusiasticamente acolhido pela quase totalidade da população portuguesa, mas, mal implantado, alguém tão insuspeito como João-Paulo Sartre logo disse, in loco, tratar-se de um “manicómio em auto-gestão”.
“Em política, feio, feio é perder”. O autor deste mimo que disse, também, a um soldado da GNR: “Ó Sr. Guarda desapareça”, que insultou publicamente um juíz, que revelando uma mentalidade neo-colonialista chamou ladrões e corruptos a governantes angolanos, mas manifestou solidariedade a Betino Craxi, quando este já estava condenado, e etc, etc, etc, foi um dos “pais da democracia” portuguesa. É uma perfeita ilustração do que nos esperava, porque tanta elevação atraiu para Portugal o estado em que ele se encontra. E como o zénite cultural da intelectualidade lusa não tem suficiente altura para ser prospectivo (é numericamente irrelevante) e a Universidade portuguesa, além de não se dar por ela (área científica à parte), é ainda garroteada pelo poder político, a comunidade portuguesa já sabe o que pode esperar. Melhor. A revolução feita para desenvolver assiste, agora, à emigração de dezenas de milhares dos seus mais robustos filhos.
Quanto ao descolonizar, outro dos propósitos, estamos conversados…
Guarda, 13-IV-08
Por: J. A. Alves Ambrósio