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“Obsessão com o défice”

Pois, Pois

Era assim que, irresponsavelmente, a oposição chamava à luta de Manuela Ferreira Leite para controlar as contas públicas. Como se a senhora fosse uma espécie de maluquinha que, por puro sadismo ou masoquismo, tivesse prazer em congelar os salários da função pública ou em vender ao desbarato o património do Estado para encaixar as famigeradas receitas extraordinárias. É certo que a despesa do Estado – em especial a despesa corrente – não desceu. Mas ter conseguido estancar o seu crescimento já foi uma vitória. Se o anterior governo falhou, no essencial, nesta matéria, isso deveu-se à tradicional falta de substância política e de ideologia da direita do pós-25 de Abril, que não consegue ir além de uma visão meramente contabilística e tecnocrática do Estado. Porque por debaixo do problema do défice navega um outro bem mais profundo e importante. A saber: Quais são as funções do Estado? Onde é que o Estado deve ou não deve intervir? A resposta a estas perguntas exige uma visão política global da sociedade, que, desgraçadamente, o PSD, um partido de gestores e tecnocratas, nunca teve – tirando, claro, o tempo de Sá Carneiro. Infelizmente, gerir um país é bem mais complicado do que gerir um lar ou uma empresa.

O problema do défice mantém-se e, pelos vistos, agravou-se. Fala-se em valores próximos dos 7 por cento do PIB para 2005 – o equivalente a sete pontes Vasco da Gama. Era de esperar. Se a economia não cresce ou cresce pouco, as receitas fiscais do Estado necessariamente diminuem. Só há uma solução: cortar na despesa. Parece que finalmente o primeiro-ministro manifestou uma “grande preocupação” com este assunto. Já não era sem tempo. Ele que em campanha vergastou a tal “obsessão” do anterior governo e que prometeu virar as baterias para o crescimento e a criação de emprego parece ter-se esquecido que nada disso é possível sem previamente resolver o problema do défice orçamental. Na sua cabeça, algo simplista, o crescimento económico conseguia-se com “confiança” e com o “choque tecnológico” (leia-se: com mais despesa pública). Supostamente, os portugueses, embasbacados e motivados com a sua imagem de homem vigoroso e enérgico, desatariam a trabalhar e a investir que nem uns doidos. Não. Nada disso. Os portugueses têm é excesso de confiança. Exemplos? Um muito simples. O PIB em 2004 cresceu 1,1 por cento e o consumo das famílias cresceu 2,2 por cento, fazendo o seu endividamento disparar para os 117 por cento do rendimento disponível. Querem mais optimismo e confiança do que isto? Por outras palavras, o problema da economia portuguesa não está do lado da procura e, por consequência, as terapias keynesianas, de aumento dos gastos públicos, são contraproducentes nestas circunstâncias. Se o Governo optar por esta estratégia irracional, o resultado será fatalmente um aumento da dívida pública – actualmente já corresponde a 65 por cento do PIB – e/ou um aumento dos impostos. Ou seja, significará sempre transferir ainda mais recursos do sector privado para o sector público, onde a produtividade e a eficiência são manifestamente mais baixas.

Moral da história? O problema está do lado da oferta e não do lado da procura. As empresas portuguesas têm de ser mais competitivas nos mercados externos e o máximo que o governo pode fazer nesta matéria é agilizar os processos burocráticos, tornando a administração pública mais leve, célere e eficiente.

Suspeito que o estado de graça do engenheiro Sócrates está com os dias contados. A gravidade da situação não se compadece com a sua estratégia de “pequenos passos”.

Por: José Carlos Alexandre

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