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O uso do Território

Toda a paisagem é uma construção cultural, corresponde a uma organização e categorização do espaço e dos lugares em relação a um determinado modo de vida. A paisagem contextualiza a nossa experiência quotidiana e presta-se a diferentes análises: o agricultor tem uma percepção diferente do geógrafo. A paisagem natural acabou. A pintura romântica já o havia percebido em meados do Século XIX. Hoje, as comunidades civilizadas sentem obrigação de discutir o que querem do seu meio ambiente a nível ecológico, funcional e estético. Quem controla e administra tem de se habituar à obrigação de prestar contas aos seus concidadãos das funções públicas que desempenha. A resignação da comunidade apenas aproveita aos caciques.

Nos termos da Constituição da República, cabe ao Estado “promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas”. O Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT) inspira-se neste preceito e plasma o teor da Resolução do Conselho da União Europeia 2001/C 73/04, respeitante à qualidade arquitectónica no meio urbano e rural, cujo relatório recomenda a intensificação de esforços para um melhor conhecimento e promoção da arquitectura e da concepção urbanística, bem como para uma maior sensibilização e formação das entidades comitentes e dos cidadãos para a cultura arquitectónica, urbana e paisagística.

A administração pública deve servir para atrair investimento para as suas áreas de influência e o factor qualitativo assume especial preponderância na tomada de decisão, por duas razões principais: estabelece um parâmetro de referência para os privados e garante o retorno do investimento feito, já que quando os planos são cumpridos, também se cumprem as legítimas expectativas dos investidores e das comunidades.

Para o equilíbrio territorial bem sucedido é necessária cooperação entre as entidades públicas e privadas, não apenas sobre os aspectos administrativos mas igualmente no aperfeiçoamento dos aspectos conceptuais do uso desse bem escasso que é o território. Haverá sempre disputas, porém a definição da “res publica” tanto condiciona o benefício do sistema económico ligado às obras públicas e particulares como garante a transparência e democraticidade dos procedimentos, no interesse de todos.

Porém, a inovação e o aumento do grau de exigência não será uma escolha natural. Urge entender o planeamento do território como a conjugação do negócio com a oportunidade de inovação, sobretudo social, em vez de perseverar no ultrapassado modelo da suburbanização que conduziu este país ao caos geográfico. Só definindo o interesse público os dirigentes deixarão de acolher com subserviência e deslumbramento os grandes investidores – sobretudo os “shoppings” –, aos quais toleram arbitrariedades e abusos urbanísticos incompreensíveis.

A paisagem é um activo cultural crucial, enquanto representação condensada da história de uma região. Mais que uma perspectiva, a paisagem é um palimpsesto que deixa entrever sobreposições, coincidências, desfasamentos, continuidades ou rupturas entre as realizações das várias épocas, permitindo identificar os modos de vida e a velocidade das transformações. A paisagem actual da Beira Interior evidencia bem a cisão entre os profundos valores da terra, a paisagem que a agricultura fez, e a pulverização colonial recente que a arruinou quase instantaneamente. É hoje difícil identificar diáfanas directrizes na cartografia da Beira Interior. A auto-estrada, em vez de servir a tão almejada “rede urbana”, apenas parece ampliar a fantasia das áreas de expansão e dos T2 e T3 por vender, sem que ninguém se interrogue sobre os propósitos e os escombros deste modelo falido, com aldeias que já o não são, vilas que nunca o foram e cidades partidas em bairros semeados entre circunvalações e rotundas.

Por: Francisco Paiva

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