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O mito da mitose

Observatório de Ornitorrincos

Todos os anos no início de Setembro recomeça a actividade onde as crianças e adolescentes deste país depositam as suas esperanças e sonham conquistar um futuro melhor. Onde aprendem com os melhores, que dias após dias enfrentam a turba ruidosa, tão admirada como ingrata, que não compreende a preparação necessariamente árdua e longa imprescindível para atingir os níveis de proficiência exigidos a quem leva a cabo tal tarefa. Mas já chega de falar da Liga Espanhola de Futebol. O tema que me motiva esta semana é o reinício do ano escolar, também conhecido por “ano lectivo” ou por “10 meses de descanso até ao próximo Sudoeste”.

Talvez por escrever esta coluna há mais de cinco anos, sou muitas vezes abordado na rua por pessoas que me questionam sobre assuntos importantes. Por exemplo, há muita gente que me pergunta: “Desculpe, sabe-me dizer onde ficam as Finanças?” (Se estiver perto de casa, sei, são mesmo ali ao lado). É por causa disto que é muito importante que crianças e adolescentes vão à escola. Pelo menos enquanto estão nas aulas os miúdos não frequentam sítios tão indesejados como repartições do tesouro.

A escola é fundamental. Muitos jovens não percebem isto e reclamam por a escola ser um desperdício de tempo. Não devemos ceder a essa pressão. Temos obrigação de lhes relembrar as palavras do grande D. Carlos, “não há nada mais importante do que a educação, excepto, obviamente, um palácio e muito dinheiro”. Atenção, não se deve explicar que D. Carlos era um homem corpulento que morreu quando regressava a Lisboa após umas férias em Vila Viçosa. Não é o melhor exemplo para quem está reticente em abandonar o espírito estival.

Se aquela frase não os convencer, parta-se para os argumentos radicais. Diga-se-lhes, por exemplo, que na escola há mais parceiros sexuais, droga e má música do que alguma vez vai permitir lá em casa. Explique-se que só há viagem a Lloret del Mar para quem chega ao 12º ano – estou convencido que a escolaridade obrigatória até ao 12º ano foi uma medida de incentivo às agencias de viagens. E se nada disso funcionar, utilize-se o desespero e a tirania como último recurso e faça-se um ultimato ao jovem: “Ou vais para a escola ou obrigo-te a estudar”. No dia seguinte é ver o rapaz ou a rapariga alegre e feliz, de mochila às costas para o seu primeiro contacto com a trigonometria, com a literatura e com o herpes.

O conhecimento é o recurso mais importante do país, logo a seguir às PME’s e ao Cristiano Ronaldo. Vários estudos indicam que os conhecimentos das crianças portuguesas são inferiores aos das crianças da Suécia ou da Finlândia. Os nossos estudantes apresentam níveis de aprendizagem equivalentes aos de turcos, mexicanos e orangotangos. Em testes padrão da OCDE, uma parte significativa dos jovens portugueses não sabe responder a questões académicas básicas, como:

a) quando se tem várias peças de roupa, quais são as devem ficar por dentro?

b) qual é a diferença entre música e heavy metal?

c) quem era D. Carlos?

(Respostas: a) a roupa interior; b) toda; c) o Jean-Jacques Costeau português)

Para melhorar estes resultados é preciso motivar os jovens a aprender. Mostrar-lhes que na escola se aprendem matérias importantes para a vida adulta. Poucas coisas darão mais jeito do que saber por que razão se dividem as células (a lei da união de facto vetada por Cavaco Silva punha alguma ordem na mitose) ou o que é um poema lírico (é um poema que tem tanto de realista como o programa eleitoral do Bloco de Esquerda).

Aos jovens que me estão a ler – os que sabem – deixo um conselho. Vão à escola. Aprendam coisas. E não desesperem quanto ao futuro. Haverá sempre um lugar para vocês. Se não for no Real Madrid, há-de ser no Valência ou no Málaga.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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