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O interior: arquipélago longe

Nas vésperas do Natal foi pública a iniciativa do BE, um dos partidos que compõem a maioria parlamentar que apoia o governo, no sentido de serem abolidas as portagens na A23. E fez bem. Ao fim de 4 anos, todas as razões da contestação à introdução da cobrança de portagens nas autoestradas do Interior persistem. E valem tanto para a A23 como, certamente, para a A25.

Primeiro, a necessidade de serem criadas condições que proporcionem reais oportunidades económicas ao Interior. Se não houver mecanismos compensatórios dos custos da interioridade, nenhumas oportunidades são verdadeiramente criadas. Pior, sendo incrementados os fatores da interioridade – distância, desertificação, desemprego, despovoamento – maiores serão os custos de interioridade a terem de ser transpostos no futuro. O vício do círculo é claro. A interioridade deslocaliza e a deslocalização interioriza. Mas não menos claro são as causas do vício e o que, com toda a evidência, apenas contribui para as aprofundar. Sabia-se há 4 anos como se sabe hoje: a introdução de portagens ou condenaria iniciativas empresariais ou obrigaria estas a procurar compensar a despesa acrescida com cortes nos custos de trabalho. A parte fraca é quem paga. Ou no que paga de portagens ou no que não lhe pagam em salários.

Em segundo lugar, temos a coesão nacional. É um bonito chavão na boca dos políticos em geral, mas que não desce das intenções aos atos, especialmente onde não há gente suficiente para render votos e poder que se veja. Entretanto os desequilíbrios vão cavando o fosso que separa o largo interior do estreito litoral. Parece ridículo dada a pequena dimensão do país, mas é sobretudo nos defeitos que parecemos um país grande. Fazemos diferenças aos 100 quilómetros que só esperaríamos aos 1.000. E somos nós enquanto comunidade nacional e mais ninguém quem as cava efetivamente quando, por exemplo, elevamos à consideração de pomposo princípio uma enormidade como a do princípio do utilizador-pagador. O simplismo argumentativo paga-se caro. Então, e se o rendimento do utilizador for significativamente menor, como acontece no Interior? E se as distâncias médias a cumprir para beneficiar dos mesmos bens forem significativamente maiores, como também acontece no Interior? Fica caro ao litoral ter interior? Pois, mas de outro modo fica demasiado caro ao Interior continuar a ser Interior. E sem este, o país escolhe ser apenas uma fração de si mesmo. Já não evocando a solidariedade nacional nestes tempos pouco dados a isso, até as mais chãs contas deviam clarificar o que custa ser (e ver) um país reduzido a uma parte de si.

Em terceiro lugar, o desenvolvimento regional. Importou introduzir racionalidade na oferta de bens e serviços sociais, de uma forma que respondesse adequadamente às necessidades de uma população pouco concentrada, dispersa por vastas áreas com dois, três ou mais polos urbanos de média dimensão. E isso foi sendo feito nas últimas décadas quando pensamos na oferta hospitalar, ou na oferta de ensino superior. E é isso que deve continuar a ser feito combatendo a tentação de as capelinhas municipais concentrarem nos seus poucos hectares e nos seus poucos milhares de habitantes todos os serviços de uma grande capital, mesmo que de forma caricatural. Mas, fazê-lo com seriedade, implica olhar para as vias de comunicação que ligam polos como Guarda e Covilhã ou Fundão e Castelo Branco, e vê-las como genuínas avenidas do ponto de vista do utilizador. O covilhanense não renova o seu cartão de cidadão, ou trata do seu passaporte apanhando uma linha de metro até dois bairros ao lado. Viaja até Castelo Branco. E certamente por autoestrada. Por isso, a A23 não é uma A1. Responde a muito mais necessidades.

Reverter a interioridade significa fazer pontes para o litoral, mas tanto ou mais, fazê-las dentro do próprio interior. É para isso que serviam as SCUTS e é por isso que devem ser repostas. Infelizmente, quando o ministro das infraestruturas – Pedro Marques – vem dizer que a abolição das portagens não está em cima da mesa, a imagem que sobrevém é a do Interior estilhaçado nos seus interiores, cada um uma ilha, todos juntos um arquipélago longe.

Por: André Barata

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