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O fantasma da Canada do Inferno

Governo desmente possível construção da barragem de Foz Côa como uma das soluções para reduzir factura energética do país, mas socialistas duvidam

O Governo desmentiu sexta-feira estar a ponderar a construção de uma barragem em Vila Nova de Foz Côa, no quadro de um programa de actuação para reduzir a dependência de Portugal face ao petróleo e que incluiria ainda o recurso à energia nuclear. «Tal não corresponde à verdade», refere um comunicado da presidência do Conselho de Ministros, que confirma que estas duas soluções alternativas constaram de um relatório preliminar analisado «pela primeira vez» na última reunião do Executivo de Pedro Santana Lopes, mas que ambas foram «clara e expressamente afastadas, por unanimidade dos membros do Conselho de Ministros».

Este «esclarecimento imediato» do Governo refere também que o relatório faz um diagnóstico «exaustivo» da situação de dependência energética do país e aponta as soluções alternativas «necessárias», mas tudo ficará preto no branco com o documento final que o Ministério das Actividades Económicas deverá apresentar até final de Novembro. Nada convencido com estas explicações está o presidente da Federação do PS da Guarda, para quem o reequacionar da barragem de Foz Côa «não é surpresa, pois quando o actual Governo decidiu alterar a localização do Museu do Côa referimos que isso iria permitir, mais tarde ou mais cedo, equacionar de novo a construção da barragem», recorda Fernando Cabral. O líder dos socialistas guardenses diz-se mesmo «totalmente contra» esta opção, alegando que o Património da Humanidade formado pelas gravuras rupestres do Côa é «um valor em si mesmo e um instrumento de desenvolvimento sustentado mais eficaz do que qualquer barragem». Segundo Fernando Cabral, existem «outras alternativas» na região que o Governo não tem querido implementar, caso do aproveitamento hidroeléctrico do Alto Côa formado pelas barragens da Senhora de Monforte e Pêro Martins, ou a energia eólica.

Por sua vez, o presidente da Câmara de Vila Nova de Foz Côa ficou «admirado» com a notícia, mas não acreditou muito na sua viabilidade. «Estou convencido que a barragem de Foz Côa irá ser feita, mas não nos próximos anos porque está em curso o projecto para o Sabor e se perspectiva o Alto Côa. O país não tem condições actualmente para fazer três aproveitamentos hidroeléctricos na mesma zona», adianta Sotero Ribeiro. O autarca considera no entanto que essa barragem será necessária «mais cedo ou mais tarde» por causa do cumprimento do Protocolo de Quioto quanto à produção de electricidade através de energias renováveis, da gestão do recurso água e das gravuras rupestres: «É um património que está a degradar-se por não estar submerso, que foi o ambiente que as preservou durante milhares de anos», refere. Recorde-se que a construção da barragem de Foz Côa, localizada no sítio da Canada do Inferno, foi abandonada em 1996 quando o Governo de António Guterres optou pela preservação das gravuras rupestre do Vale do Côa, mais tarde classificadas pela Unesco como Património da Humanidade. Citado pelo diário “Público” de sexta-feira, o ex-secretário de Estado da Energia e actual presidente da Rede Eléctrica Nacional (REN), José Penedos, que esteve envolvido no “encerramento” da decisão de há oito anos, disse esperar que «não se renovem ilusões sobre Foz Côa, actualmente sob o manto diáfano da cultura da Unesco». Por sua vez, Jorge Godinho, administrador da EDP, desabafou que a eléctrica nacional «não quer voltar a ter situações como a de Foz Côa».

Luis Martins

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