Enquanto todos falamos de reformas vitalícias dos políticos e de reformas de políticos que continuam no ativo, em silêncio, e sem qualquer clamor, muitos políticos habilidosamente saltaram para o mundo empresarial aumentando sobremaneira o seu pecúlio. O jornalista António Sérgio Azenha fez o levantamento junto do Tribunal Constitucional e das entidades competentes e escreveu o livro “Como os políticos enriquecem em Portugal” onde regista os rendimentos de 15 antigos membros de Governo que, entretanto, passaram a exercer funções em empresas. Nomeadamente em empresas com participação do Estado.
Ou seja, um sector empresarial onde tiveram direta ou indiretamente responsabilidades enquanto membros do Governo e para onde acabaram por ser nomeados; um sector empresarial no qual, nalguns casos, definiram oportunidades de negócio e concretizaram contratos com o Estado enquanto governantes, que depois foram dirigir como gestores. Enfim, como diz Henrique Neto no prefácio, «em Portugal, a atividade política é altamente rentável, desdizendo a afirmação largamente difundida de que a política portuguesa não dá para pagar os charutos». António Azenha analisou os rendimentos a partir de 1994, o primeiro ano em que passou a ser obrigatória a entrega de declaração de património e rendimentos no Tribunal Constitucional, de Pina Moura, Jorge Coelho, Armando Vara, Dias Loureiro, Faria de Almeida, Fernando Gomes, António Vitorino, Luís Parreirão, José Penedos, Luís Mira Amaral, António Mexia, António Castro Guerra, Joaquim Ferreira do Amaral, Filipe Batista e Ascenso Simões.
Segundo o autor, «a análise comparativa do património e rendimentos destes 15 ex-governantes revela, desde logo, um fato incontornável: após terem saído do Governo, todos eles aumentaram, em pouco tempo, a remuneração anual entre um mínimo de 163 por cento e um máximo de 2.956 por cento». E conclui também que «há quem vá ganhar mais no Governo do que recebia antes». Para Azenha, «o que está em causa são princípios de ética e eventuais favorecimentos partidários, mais conhecidos por “job’s for the boys” e nem tanto questões de legalidade».
Pina Moura
Assim, destacámos quatro ex-governantes que têm a ver com a região. Joaquim Pina Moura, natural de Loriga, Seia, é provavelmente o caso mais exemplar de como a política pode ser determinante para a valorização da carreira profissional e consequente prosperidade pessoal. Em 1994, antes de entrar para o primeiro Governo de António Guterres (de que foi secretário de Estado e ministro das Finanças), ganhava 22.814 euros. No Governo passou a auferir rendimentos entre 59.157 euros (1995) e 72.398 (2001). Foi deputado pelo distrito da Guarda até 25 de Fevereiro de 2007 ao mesmo tempo que ocupou funções na administração da Galp Energia e de presidente da Iberdrola (depois de ter a pasta da Economia, onde tomou decisões fundamentais para as empresas do setor energético). Em 2006 teve um rendimento de 697.338 euros. Ou seja, em apenas 12 anos, o antigo militante do PCP aumentou o seu rendimento anual em 2.956 por cento.
Dias Loureiro
Não se sabe quanto recebia Manuel Dias Loureiro (natural de Aguiar da Beira) antes de ocupar cargos governativos. Não era, na altura, obrigatória a entrega de declaração de rendimento e património. Mas sabe-se que estava muito longe de ser um homem abastado. Como ministro, receberia, em 1994, 65 mil euros. E também não se conhece a ascensão de rendimentos depois de ter abandonado o Governo em 1995, até ser eleito deputado, em 2001, ano em que declara rendimentos de 861 mil euros. Os seus rendimentos caíram a partir desse ano, um crescimento negativo a que não deve ser alheio o problema BPN. Em sete anos, os rendimentos de Dias Loureiro aumentaram 1.225 por cento, pelas contas de António Sérgio Azenha.
Castro Guerra
Outro natural do distrito da Guarda que passou pelo Governo conquistando um bom pecúlio foi António Castro Guerra. Aliás, o socialista natural de Valhelhas tem a particularidade de nunca ter atingido o protagonismo e o patamar político e partidário de Pina Moura e Dias Loureiro, mas conseguiu apesar disso um excelente emprego após deixar o Governo, e por nomeação, para presidente da Cimpor. Com o ingresso na cimenteira, o ex-governante mais do que duplicou os seus rendimentos face à remuneração que tinha como secretário de Estado: em 2008, no Governo, Castro Guerra recebeu 80.782 euros; em 2010, como presidente da Cimpor, ganhou, a partir da sua eleição em finais de Abril, 210.828 euros. Um crescimento de 160 por cento em dois anos.
Coelho, Vara, Vitorino…
Outro caso extraordinário é o do “vizinho” Jorge Coelho (natural de Mangualde), que auferia 41 mil euros em 1994. Saiu em 2001 do Governo. No início, melhorou os ganhos em apenas cinquenta mil euros por ano. Mas, em 2009, já recebia 710 mil euros por ano, à frente da Mota-Engil. Isto, depois de ter sido ministro das Obras Públicas e Equipamento Social. O ministério que tratava dos negócios com as construtoras. Em 14 anos, o seu rendimento aumentou 1.604 por cento.
Como curiosidade, podemos ainda citar outros casos extraordinários que evidenciam como “Os políticos enriquecem em Portugal”. O “famoso” Armando Vara, que em 1994 recebia em conjunto com a mulher 59 mil euros anuais. No governo, chegou aos cem mil euros em 2000. Após deixar o Executivo subiu um pouco até 2004. Em 2007, já recebia 240 mil. Em 2009, 520 mil. E em 2010, como administrador do BCP – depois de estar, por nomeação política, na administração da Caixa Geral de Depósitos, o banco do Estado – 822 mil euros. Em 16 anos, os seus rendimentos aumentaram 1.282 por cento.
Ou António Vitorino, que recebia 36 mil euros antes de entrar no Governo. Como ministro, 71 mil. Depois de sair do Governo, 371 mil. Rendimentos que, com altos e baixos, foi mantendo: em 2005, recebia 383 mil euros. Em 11 anos, os seus rendimentos aumentaram 962 por cento.
Perante estes casos, Henrique Neto conclui no prefácio do livro de António Azenha: «Os detentores de cargos políticos só se podem queixar de si próprios quando julgados, porventura injustamente, pela opinião pública».
_______________________________________________________
Evolução anual do rendimento bruto do trabalho dependente e independente:
Joaquim Pina Moura:
Manuel Dias Loureiro:
António Castro Guerra:
Jorge Coelho:
Comentários dos nossos leitores | ||||
---|---|---|---|---|
|
||||
|
||||