Em Portugal não é difícil justificar uma falta ou um atraso no trabalho. Bastará conhecer um médico amigo que possa “dispensar” um atestado. Mas para os próprios médicos nem é preciso tanto esforço. Um clínico pode atrasar-se ou faltar sem correr o risco de ter que se justificar.
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Desloquei-me recentemente ao Hospital Pêro da Covilhã para um exame. Previamente marcado e com a antecedência necessária para que pudesse ser realizado às 9 da manhã. Assim, poderia regressar ao trabalho pouco depois das 10 (é que o “pessoal” do povo tem horários). No entanto, nesse dia a técnica que realiza os referidos exames (no sector de exames especiais) só apareceu hora e meia depois do previsto. A fila de doentes entretanto convocados para realizar o mesmo exame já ia longa. Escusado será dizer que perdi uma manhã inteira de trabalho à espera da referida senhora. Foi no rescaldo do ano novo. Desculpe-se os senhores doutores, pois então, que também têm direito aos seus feriados e dias santos – e aos dias a seguir, pelos vistos.
Uma semana depois levei o exame para avaliação de quem percebe do assunto. Depois de três meses a aguardar consulta (para as 9 da manhã), dirigi-me às Consultas Externas do mesmo hospital – cuja especialidade irei omitir, não vá o diabo tecê-las. A médica apareceu às 10h10 em ponto. Para meu espanto – era a primeira da lista de doentes, a senhora doutora nem sequer se dignou a pedir desculpa pelo atraso. Iniciou a consulta com um ar arrogante e de frete indescritível. Cá fora, os doentes acumularam-se… e esperaram. Mais grave ainda, acomodam-se com a situação. “Chegou a senhora doutora” e faz-se continência.
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Receio que o pior deste episódio é que não será fácil mudar este estado de coisas. Não é uma questão de adquirir máquinas e colocar os “senhores doutores” a picar o ponto. A verdade é que muitos deles não gostam deste tipo de controlo. Vão considerá-lo intrusivo (…). “O doutor vai ver que não dói nada”, apetece dizer.
Maria Gonçalves, Canhoso