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O Capachinho de Gerard Shroeder

Quebra-Cabeças

Durante muitos anos, a Alemanha foi considerada o motor da economia europeia. Aquando da negociação sobre o pacto de estabilidade, os alemães olhavam para os países do sul com desconfiança. A moeda única, afinal de contas, era um projecto em boa parte alemão e só podia funcionar se os países aderentes cumprissem algumas regras sagradas.

Pois os tempos mudam. Agora é a Alemanha que segue a reboque dos outros países da comunidade e está a transformar-se num peso morto. Sem ela, o resto da EU equiparar-se-ia aos Estados Unidos em praticamente todos os parâmetros, desde a criação de emprego ao crescimento da economia. A Alemanha, outrora orgulhosa do seu poder de compra, vê-se agora abaixo da média europeia. O argumento da reunificação já não colhe, que a ex-RDA representava uns meros 11 por cento do total da economia alemã. A questão vai mais fundo e reside também, segundo relatórios recentes, na excessiva estatização da banca. Esta foi financiando as empresas alemãs, com juros mais baixos em cerca de dois por cento do que os praticados no resto da Europa. O investimento feito por estas com esse dinheiro barato acabou por não ter a taxa de retorno inicialmente prevista e quando a banca enfrentou ameaças da Comissão Europeia por violação das regras da livre concorrência, foi obrigada a subir taxas de juro – a um ponto que as empresas alemãs, gordas e ineficazes por muitos anos de dinheiro fácil, não se vêem capazes de suportar. Junto a tudo isto temos as dispendiosas garantias sociais e a rigidez do mercado de trabalho que impedem as reformas de fundo. Daqui à exportação de empregos foi um passo e temos agora a Alemanha a quebrar o pacto de estabilidade.

Mas o pesadelo não acaba aqui. A Mannshaft (“equipa dos homens”, o musculado nome que os alemães dão à sua selecção) está longe dos melhores tempos e não se vislumbra um triunfo nos tempos mais próximos – e muito menos em Portugal.

Depois é a corrupção. Outrora apanágio dos países do sul, a corrupção instalou-se na Alemanha e os escândalos correm transversalmente a sociedade – das empresas à política. Neste momento estão em curso vários processos e a sociedade alemã encontra-se em estado de choque. De repente, o cidadão comum descobre que passou a habitar numa espécie de república das bananas. É como se vivessem em Portugal, mas sem a compensação do sol e da praia.

Comecei a desconfiar do estado em que estava a Alemanha quando li a história do capachinho do Shroeder. Um jornal tinha insinuado que o chanceler usava capachinho. Este ficou indignado e fez o que os políticos das repúblicas das bananas fazem nestas circunstâncias: foi para tribunal. Se a coisa parecia feia, pior ficou, e mais desconfiado fiquei eu, quando saiu a sentença: o Shroeder ganhou e o jornal teve de pagar multas e indemnizações. Na altura não compreendi essa necessidade de domesticar a imprensa, nem a entendi assim, mas agora compreendo. Afinal é o que vejo fazer-se, há décadas, em Portugal.

Por: António Ferreira

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