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O camarada responsável e outras estórias

Selecção Natural

1. Pina Moura acaba de ser nomeado para gerir a Mediacapital, empresa que controla a TVI. O convite partiu da Prisa, uma holding ligada aos socialistas espanhóis. Como o próprio admitiu ao “Expresso”, “a nomeação para gerir a Mediacapital tem um pressuposto ideológico” e que “não há nenhum projecto empresarial que não tenha objectivos políticos”. Mas será o pressuposto simplesmente ideológico? Ou não se tratará sobretudo de mais uma etapa de uma ofensiva, conduzido pelo poder socialista, no sentido de controlar os meios de comunicação social e condicionar a liberdade de expressão?

Recapitulemos então os expedientes já utilizados: criação da grotesca Entidade Reguladora para a Comunicação Social e reforço dos poderes da Comissão para a Carteira; pressões exercidas pelo Governo no decurso da investigação das tropelias académicas do “engenheiro” Sócrates (“jornalismo de sarjeta”, nas palavras do Ministro da Tutela, um conhecido ex-trotsquista); criação de um blogue, pelo Ministério da Administração Interna, destinado a desmentir as críticas veiculadas pela Imprensa e blogosfera, sob os auspícios do zelota José Magalhães; por último, crème de la crème, a recente ofensiva contra a blogosfera.

Era aqui, neste universo de proximidade e de suprema liberdade, que faltava ao poder socialista “meter a unha”. O Primeiro-Ministro abriu as hostilidades, numa entrevista à RTP1, queixando-se que dele se diz “cobras e lagartos” nos blogues. E que, não fora ser superior aos “ataques”, estariam os tribunais inundados de processos por injurias e difamação. O PM está claramente equivocado. É que, ao invés de alguns jornalistas, os blogonautas não dependem dela para viver. Nem a lógica da blogosfera é assimilável à centralidade informativa ou a qualquer gregarismo opinativo. Que escapa à facilidade com que o clássico jornalismo de papel é fiscalizado ou condicionado.

Este Governo e esta maioria não sabem lidar com a crítica. Incomoda-o o livre escrutínio do seu desempenho pelos cidadãos. Afirmou-se, pelo contrário, uma tendência fiscalizadora, regulamentadora, o corolário de uma indisfarçável arrogância e de um insuportável sectarismo. Neste caso da TVI, os liberais mais cínicos dirão que se trata de uma empresa privada, cujos accionistas poderão orientar no sentido que bem entenderem. E esse sentido, como é óbvio, é o das tendências do mercado e dos números das audiências. Mas alguém terá ilusões que na TVI haverá informação imune a pressões governamentais e divergente em relação aos objectivos da governação socialista?

2. Na decorrência de mais um aniversário do 25 de Abril, é conveniente também reflectir sobre a perversão dos mecanismos basilares da representação democrática. Pina Moura foi eleito deputado em 2004 pelo círculo eleitoral da Guarda. Foi designado como cabeça de lista por um directório partidário – as usual – sendo que a sua única ligação efectiva ao distrito era a naturalidade: Loriga. Esperava-se pois que, no mínimo, cumprisse o seu mandato até ao fim. No interesse sobretudo da região que o sufragou. A não ser, como se tornou hábito, que fosse entretanto designado para um cargo governativo. Mas quatro anos é muito tempo, claro está. Se antes não se tinha dado por ele na A.R., agora o seu nome circula na praça pública pelas piores razões: a meio de um mandato tribunício, o ex-comunista, deslumbrado com as benesses do poder socialista, pede escusa e passa-se para o sector privado. De onde, afinal, nunca saiu. Será que quem votou nele não se sentirá traído, uma espécie de conivente descartável? Desse desconforto, pelo menos, estou dispensado, valha a verdade. Mas não da inquietação com que observo este autêntico assalto ao 4º poder comandado pelo Governo.

Por: António Godinho

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