Arquivo

Norberto, Alberto, Roberto e Felisberto

Os nomes que menciono no título desta crónica têm um problema: todos os meninos assim chamados vão ser tratados pelo seu diminutivo natural, “Beto”, que é uma provocação ao maior insulto imaginável pelos jovens do nosso tempo. Esses Betos, quero eu dizer, estão a um passo de passarem a ser conhecidos como “Betinhos” e por isso verem a sua vida irremediavelmente destruída – logo no começo.

Apesar dos meus esforços, não consegui obter ainda uma definição de “Betinho”. O máximo que consegui foram simples aproximações, pequenos casuísmos respigados daqui e dali. O seu conjunto não forma um todo congruente, ou ao menos inteligível, mas acho que estou a chegar lá. Vou dar alguns exemplos.

Concluí que o meu filho mais velho precisava de uma parka, algo que o protegesse no Inverno contra a chuva e o frio. Na loja, havia duas muito bonitas: uma vermelha (a minha proposta inicial) e outra azul escura. A vermelha foi imediatamente afastada com o argumento de que era “de betinho”. Aceitou, com reservas e claramente para me calar, trazer a azul – e foi a última vez que o vi com ela vestida. A minha filha mais pequena, com apenas seis anos, rejeitou passados uns minutos um casaco azul (“é de betinha”) mas condescendeu a vestir outro do mesmo modelo, em castanho.

Foi por aí que comecei a reparar no que vestem agora os jovens e, sobretudo, no que não vestem em circunstância alguma. A roupa em fazenda está definitivamente fora de questão; sapatos, nem se fala; botas, depende; sobretudos, parkas, fatos, camisas, pólos, camisolas de gola em bico (ou, de resto, quaisquer outras), gravatas ou, basicamente, qualquer peça de vestuário que pudesse ser vestida pelos pais, está definitivamente out.

Na semana passada vi na rua um modelo de anti-betinho radical: calçava sapatos desportivos (possivelmente All Star), tinha calças de ganga descaídas e vestia da cintura para cima uma espécie de camisola de algodão cardado com capuz (vim a saber depois que isto se chama um Hoodie, ou Hoody). O todo era complementado com uma mochila Eastpack. Tenho agora que esclarecer uma coisa: quando disse que as calças estavam descaídas, queria dizer que estavam mesmo descaídas. É que a cintura delas ficava a meio caminho entre a cintura do rapaz, anatomicamente falando, e os seus joelhos, mostrando boa parte dos boxers e obrigando-o a segurar as calças com as coxas. Este esforço interferia com o resto da postura dele, obrigando-o a andar devagar, presumo que para gerir melhor o esforço, e a adoptar uma silhueta em “S” invertido. Imaginei-o a ter de fugir de repente de algum inimigo, ou de um animal feroz, e não consegui. Consegui apenas imaginar o moço a andar um pouco mais depressa, com ainda mais esforço, e com o urso polar esfomeado a soprar cada vez mais perto da sua mochila.

Digamos que os miúdos adoptaram uma farda e que não concordamos com ela. Podemos falar-lhes em compromissos entre o estilo e o conforto, explicar-lhes que o principal critério deve ser a adequação da roupa às suas circunstâncias e que uma postura natural e confortável não admite nunca compromissos. E podemos falar-lhes de como nos vestíamos na idade deles, desde que não tenhamos tido a idade deles durante os anos setenta do século passado. É que, se for esse o caso, poderá ser melhor fazer um piedoso silêncio sobre o assunto e mudar de conversa.

Por: António Ferreira

Sobre o autor

Leave a Reply