Arquivo

No centenário do nascimento de Vergílio Ferreira

Agora Digo Eu

Fez na passada semana cem anos que a pequena freguesia de Melo, hoje, União de freguesias de Melo e Nabais, viu nascer Vergílio Ferreira.

Permitam-me, hoje e aqui, contar o pequeno/grande encontro que tive com o autor de “Aparição”.

Corria lento o ano de 1985. Sexta-feira, 7 de junho. Vergílio Ferreira desloca-se à Escola Secundária da Sé, na nossa cidade, para acompanhar um estágio, efetuando uma conferência aos alunos, professores e funcionários. Oportunidade para ouvir um Homem multifacetado onde toda a produção literária reflete uma profunda preocupação com o ser, com a vida e com a cultura.

Realizava, na altura, o programa “Clube da Tarde” na Rádio Altitude e vi aí a minha grande oportunidade de o entrevistar. De gravador em riste, vontade quanto baste, sem aviso prévio ou hora marcada, vou direitinho à escola da Sé. Assisti à conferência e no final dirigi-me a Vergílio Ferreira. Diziam-me que era uma pessoa de difícil trato. Talvez por isso fui “com um pé atrás”. Identifiquei-me e pedi-lhe, se fosse possível, algumas palavras para passar na rádio. Vergílio olhou para mim, provavelmente, viu um jovem algo destemido, algo amedrontado e anuiu. Devo dizer que aquilo que deveria ser, apenas e tão só, uma breve entrevista transformou-se numa grande entrevista e numa enorme conversa.

Sentámo-nos e, numa de “quebrar o gelo”, mesmo antes de ligar o gravador, disse-lhe: «O Dr. e eu temos algo em comum». Olhou para mim, fixou-me bem nos olhos e num silêncio calculado de quatro, cinco segundos, deduziu: «Não me diga que também frequentou o seminário?». «É verdade – respondi – no Fundão».

Vergílio modificou um pouco o semblante que tinha mantido até aí.

Iniciámos a entrevista falando da Guarda, dos momentos bons e menos bons, da neve, dos colegas, fixando a sua grande obra em três livros dos mais de cinquenta que publicou. Falou de “Nítido Nulo”, publicado em 1971. Revelou um apreço especial por “Para Sempre”, um livro de mágoas, difícil de ler, que sem ser confuso, obriga-nos a pensar, por ser tão real faz doer, centrando, como não podia deixar de ser, mais de metade da conversa na “Manhã Submersa”.

Foi um belíssimo quarto de hora de um encontro que me deixou, radiante, feliz, realizado. Desliguei o aparelho e pensei para comigo, agradeço-lhe a entrevista, despeço-me e vou embora. Pois bem, nada disso aconteceu. Vergílio, para grande satisfação minha, resolveu continuar a entrevista, agora sem gravador, falando-me do seminário, dos velhos protagonistas como José Lourenço Pires, António Santos Carreto, o Bispo fundador do seminário menor da Guarda D. José Alves Matoso e isto sem esquecer o cónego Carvalho Dias, natural do Soito, grande homem da Igreja, de quem foi amigo, pese embora Carvalho Dias fosse ordenado padre em 1935.

Respondi-lhe que tive a honra de lidar de perto com Carvalho Dias e, só por curiosidade, disse-lhe que nasci e habitava na Rua D. José Alves Matoso. Falou depois da Guarda, dos colegas, no Liceu Nacional da Guarda, que na década de 30 pouco ultrapassavam a centena e meia e, também aí encontrámos pontos de convergência quando lhe falei da minha mãe, sua colega de Liceu, e de outro amigo comum, o saudoso Dr. Afonso de Paiva.

Despedimo-nos. Vergílio apertou-me a mão fazendo questão de me dar um forte abraço. Como facilmente se percebe eu ia feliz, algo eufórico e quando entrei nas instalações da rádio o meu colega Francisco Carvalho perguntou-me: «Então? Que tal correu?». Descrevi ao Francisco toda a entrevista e o momento grande, lindo, único, que tinha acabado de passar com Vergílio Ferreira.

E assim, caríssimo leitor, é este o preciso momento de lhe pedir desculpa pela ousadia que tive em contar este meu encontro, mas ao descrevê-lo, pretendo, apenas e tão só prestar a minha grata e justa homenagem a um Homem, a um Beirão que outro Beirão, Eduardo Lourenço, define como «autor da rutura e da tentativa de superação e reformulação do ideário neorrealista», aproveitando para endereçar os parabéns à Câmara Municipal de Gouveia pela forma como está e irá continuar a comemorar até 28 de janeiro de 2017 o centenário do nascimento de Vergílio Ferreira.

Por: Albino Bárbara

Sobre o autor

Leave a Reply