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Ninguém Paga Nada

Quebra-Cabeças

O problema das propinas vai e vem, é cíclico, diz Jorge Sampaio. Tem razão. Tem razão também no tom jocoso com que o diz, por muito que custe à rapaziada. A ideia básica do pessoal é muito simples e resume-se a “não pagamos”. Quem deve então pagar? Boa pergunta. A resposta é “todos”, todos nós, na pessoa do Estado. Mesmo aqueles que não têm filhos universitários ou que vão ficar teimosamente analfabetos.

As portagens têm também os seus ciclos. E têm também o seu círculo de adeptos da utilização gratuita. Agora, em lugar dos estudantes, temos os “utentes”. Também estes acham que quem deve pagar é o Estado, na pessoa de todos nós, mesmo aqueles que nunca irão passar pela estrada, ponte, túnel, que abrilhanta e beneficia a sua santa terrinha.

Há também os utentes dos hospitais. Estes não gostam de taxas moderadoras e acham que quem deve pagar é o Estado, o que é o mesmo que dizer que somos todos nós a pagar, mesmo aqueles que nunca ficam doentes.

Não vale a pena avisar toda esta gente que para ser possível tudo isto é preciso aumentar os impostos. É que essa palavra, “impostos”, tem conotações inaceitáveis para a maioria dos portugueses. Implica pagar e “pagar”, já o vimos, é coisa que ninguém quer.

Antes pelo contrário. Queremos é o choque fiscal. Queremos isenções de impostos para as áreas deprimidas, queremos a baixa do IVA, do IA, do IRC. Queremos benefícios fiscais. Queremos que taxistas, madeirenses, futebolistas, empresários e outros fiquem felizes, luzidios e isentos de impostos. E que mandem os filhos a caminho de universidades onde não pagarão propinas por auto-estradas em que se não pagam portagens. Tudo a pagar pelo Estado, que não recebe impostos.

Mas não chega. É que também queremos subsídios. Subsídios de desemprego, subsídios para colectividades, subsídios de doença. E apoios, queremos também apoios. Não conseguimos fazer nada sem apoios. Não queremos é pagar nada.

Assim como queremos empregos, pensões e reformas melhores, assim como mais e melhores serviços, escolas, hospitais (sem taxas moderadoras), universidades (sem propinas), auto-estradas (sem portagens). Exigimos ainda menos horas de trabalho e melhores salários.

Exigimos, pedimos, reclamamos, mendigamos. Mas não queremos pagar. Temos uma sociedade ávida de coisas e benesses e parca do que permite dá-las. Mas não há problema pelo facto de assentar tudo, todo o nosso modo de vida, num paradoxo. É que, dizem, há no governo um ministro que, sendo homem, é conhecido por Catherine Deneuve. E isto é também um paradoxo.

Por: António Ferreira

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