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«Não se deve confiar em ditos populares e nunca recorrer ao alho ou à prata para validar a comestibilidade dos cogumelos»

Cara a Cara – Gravito Henriques

P – A micologia tem cada vez mais adeptos. A que se deve este fenómeno?

R – As dificuldades económicas estão a favorecer o regresso às origens e um aproveitamento dos recursos endógenos, mas também se nota um maior interesse das pessoas pela natureza e, nestes contextos, estas têm possibilidade de conhecer e ter acesso a um produto com mercado, natural e saudável: os cogumelos, a que cada vez mais se associa um valor gastronómico de requinte e outras utilizações, nomeadamente no âmbito dietético e medicinal.

P – É também uma atividade perigosa, pois todos os anos morrem pessoas por ingestão de cogumelos venenosos. O que leva as pessoas a arriscar a vida?

R – Eu não diria que é uma atividade perigosa. Para o número de milhares de pessoas que diariamente se movimentam em áreas agro-florestais, sobretudo ao fim de semana, na apanha de cogumelos, se a atividade fosse perigosa, o número de intoxicações mortais não se resumiria anualmente a alguns casos esporádicos. Os casos mais graves que me foram relatados aconteceram com pessoas não rotinadas na apanha ou não alertadas para a existência de espécies com algumas semelhanças ao nível do chapéu. A maioria das vezes surgiram dúvidas, mas comeram porque fizeram uso do alho ou de objetos de ouro ou prata para verificação da comestibilidade dos cogumelos, método sem qualquer validade mas em que confiaram e que conduziu às ingestões responsáveis pelas intoxicações mortais.

P – É um dos principais especialistas micológicos da região e tem sido convidado para numerosas atividades. O que querem saber os participantes que encontra nessas sessões?

R – A maior parte dos participantes apenas querem saber se os cogumelos são comestíveis. O cultivo, a confeção e a conservação dos cogumelos, em geral, são já temas secundários.

P – Ao longo da sua atividade, nunca teve dúvidas sobre um cogumelo que tenha recolhido? O que fez?

R – Isso é o dia a dia, face às milhares de espécies presentes na nossa região, algumas pouco frequentes e não caracterizadas. Nessa situação faço uso de chaves dicotómicas e de manuais afim de tentar identificar o cogumelo.

P – O que aconselha às pessoas que queiram ir para o campo recolher cogumelos?

R – Adquirir conhecimentos no sentido de fazer a identificação correta dos cogumelos através das suas características macroscópica; apanhar e consumir apenas as espécies de que tenham garantias absolutas da sua comestibilidade; não confiar em ditos populares e nunca recorrer ao alho ou à prata para validar a comestibilidade dos cogumelos.

P – Alguma vez teve problemas por causa dos cogumelos?

R – Nunca, eu ou quem comigo comeu, teve problemas por causa dos cogumelos. E eu já consumi uma centena de espécies, das quais apenas três ou quatro tiveram origem fora da Beira Interior.

P – Miscaros, tortulhos, setas, criadilhas e outros cogumelos abundam na nossa região e a sua cultura é altamente rentável. É uma área de negócio ainda por explorar na agricultura local?

R – Há uma diversidade de espécies de cogumelos na região com alto valor de mercado. Embora nesta área haja ainda muito potencial por explorar, já há várias unidades, uma das mais importantes da Europa está sedeada no concelho da Guarda, que procedem à sua comercialização e transformação, com destino maioritariamente externo. Esta atividade, além de contribuir de forma muito positiva para a economia local e do país, representa um rendimento complementar assinalável para muitas famílias dependentes da atividade agrícola.

Gravito Henriques

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