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«Não é fácil o estudante assumir-se como pobre»

Politécnico da Guarda tem «entre 10 a 20» alunos com propinas em atraso

«Há muitos alunos com dificuldades financeiras para estarem no ensino superior». O alerta é de Jorge Mendes, presidente do Instituto Politécnico da Guarda, que tem «entre 10 a 20» estudantes com pagamentos de propinas em atraso. No caso da Universidade da Beira Interior (UBI) também é público que há estudantes com problemas económicos, embora não tenha sido relevado a O INTERIOR o número de pessoas que não conseguiram pagá-las.

No caso do IPG, o número de estudantes em falta já foi bastante superior neste ano lectivo, visto que a 10 de Dezembro de 2008, «cerca de 600 alunos ainda não tinham liquidado as propinas», mas por causa dos atrasos no pagamento das bolsas. Entretanto, «a maioria já pagou», havendo neste momento «um número que anda entre os 10 e os 20 alunos, não mais que isso», adianta Jorge Mendes. O responsável explica tratar-se de «pessoas que entraram na segunda fase do concurso e que se candidataram às bolsas», ainda não tendo recebido os respectivos montantes a que têm direito. A essas não foi exigido qualquer pagamento, acrescenta, adiantando que o IPG tem actualmente perto de mil alunos bolseiros. «Mas sentimos, no terreno, que há muitos alunos com dificuldades financeiras para estarem no ensino superior e não é pela questão da propina em si. É por tudo o que está associado», garante.

Uma realidade comprovada pelos «pedidos sucessivos» a solicitar o adiamento do pagamento de propinas, que, por vezes, são aceites e noutras negados em virtude da «justificação apresentada não nos parecer correcta». De resto, uma das medidas concretas que o IPG está a aplicar para ajudar os estudantes mais carenciados é, precisamente, «o não cumprimento do regulamento das propinas», que estabelece que «10 dias após saírem as bolsas, o aluno tem de liquidar as propinas e nós não estamos a fazer isso». Mesmo assim, há estudantes «em situações limite e em casos extremos», que estão a ser apoiados pelos Serviços de Acção Social que garantem a sua alimentação. «Não há nenhum aluno do Politécnico da Guarda que possa dizer que não comeu porque os serviços lhe negaram essa possibilidade», assegura Jorge Mendes, adiantando que também existe «alguma flexibilidade» no pagamento dos quartos nas residências.

«Muita gente que tem dificuldades, por vezes, não dá a cara. Se calhar, a situação mais grave em todo o ensino superior é a de alunos que realmente têm dificuldades, que fazem um enorme esforço para estudar e que acabam até por cumprir com as suas obrigações, mas certamente à custa de muitos sacrifícios pessoais, mesmo em termos de alimentação», exemplifica. Também a Associação Académica da Guarda (AAG) reconhece que «há sempre muita dificuldade para descobrir determinadas situações, porque não é fácil o estudante assumir-se como pobre e dizer que não tem dinheiro perante os colegas», explica Marco Loureiro. O presidente da AAG acredita até que há muitos alunos que preferem sair à noite, «aparentando estarem bem financeiramente quando, na verdade, não estão». Prevê, por isso, que se a situação continuar a agravar-se, «lamentavelmente, alguns deles vão deixar de estudar». Já em finais de Fevereiro, no seu discurso de tomada de posse, o dirigente estudantil avisava que «todos os dias» há «centenas de estudantes» do ensino superior que «procuram trabalhos em regime “part-time”, sujeitando-se ao trabalho precário, ou mesmo a abandonar temporariamente os estudos, a fim de conseguirem liquidar todas as despesas inerentes à sua formação académica».

«Sempre houve problemas», frisa o reitor da UBI

No caso da UBI, o reitor não se mostrou muito disponível para responder a O INTERIOR, alegando que «sempre houve problemas de alunos em pagar propinas e é por isso mesmo que existem os Serviços de Acção Social para concederem bolsas». Aliás, Santos Silva reforçou que não se está assistir «a nada de novo» e que «se está a fazer uma onda que não tem razão de existir». Ainda assim, admitiu que, «compreendendo a situação dos alunos mais carenciados, a UBI divide o pagamento das propinas em cinco prestações» e que os estudantes «só entram em incumprimento no final, até porque alguns acabam por desistir dos estudos». Também o capelão da universidade covilhanense foi parco em comentários: «Ao longo dos anos tem havido gente com dificuldades e nós estamos no terreno a ajudar», salientou Luciano Costa. No mês passado, ficou a saber-se que o Banco Alimentar da Cova da Beira está a apoiar 20 alunos da UBI. Em 2006 eram apoiados 14, menos três que em 2007, quase todos oriundos de países africanos lusófonos.

Neste ano lectivo, metade dos estudantes com direito ao saco mensal que complementa as refeições das cantinas é portuguesa. Nessa ocasião, em declarações à agência Lusa, Santos Silva referia haver «professores que se quotizam para pagar as propinas a alunos e outros que são fiadores de empréstimos contraídos por estudantes junto da banca para poderem estudar». A UBI tem «a maior percentagem de alunos bolseiros» de Portugal continental (37 por cento dos 5.800 alunos) e também «a maior percentagem de alunos deslocados» (cerca de 80 por cento), destacou. Outra prática comum, segundo o reitor, consiste em atribuir a alunos mais necessitados trabalho a tempo parcial nos bares ou cantinas, «onde fazem uma hora ou duas e têm a respectiva recompensa pelo seu trabalho».

Ricardo Cordeiro

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