P – Que retrato faz do concelho da Guarda?
R- O retrato é progressivamente negativo. Os últimos oito anos não foram propriamente positivos do ponto de vista do emprego e da construção de uma economia saudável. Compreendo que nos quatro anos transactos a 2013 houvesse uma recessão provocada por uma crise económica que afetou todo o país. Mas esperava-se que este autarca, quando ganhou as eleições em 2013, cumprisse as promessas de seguir um rumo que nos levaria para uma via de investimento, emprego e fixação de economia na Guarda. Não o fez… Quatro anos volvidos temos uma economia parada, que funciona a soluços e se ainda temos alguma deve-se a investimentos anteriores. Tentou-se colar muitas vezes a criação de postos de trabalho à atividade da autarquia, mas estes devem-se a alguma atividade das empresas instaladas. Mesmo assim, esse impulso não chegou para se evitar uma “sangria” humana, pois perdemos duas mil pessoas em quatro anos. Para um concelho como o nosso, com pouca população, isso significa 500 pessoas por ano e a perda de muita juventude, de pessoas que estão em idade produtiva, porque são sobretudo esses que nos abandonam e que não voltam.
P – Como avalia a gestão de Álvaro Amaro?
R- A sua gestão reporta-se apenas a reparar e reabilitar – uso as suas expressões. É alguém que faz a reabilitação de um património que, à partida, foi abandonado ou não teve a renovação necessária, nuns casos por desleixo, noutros porque a crise agudizou isso e também por má gestão autárquica em certa fase do percurso do PS. Os próprios militantes do PS têm consciência disso. No último mandato de Joaquim Valente muita coisa correu mal. Tudo isto se conjuga para que este presidente, que o que se propõe fazer é sobretudo para quatro anos. Mas em quatro anos não temos um trabalho de longo alcance e de objetivo, pois resumiu-se a reabilitações apenas com um critério estético e em muitos casos duvidoso. De todas as reabilitações que fez, a recuperação do mercado municipal e da central de camionagem eram coisas que as pessoas pediam. Foram importantes, mas ficou-se por aí. Concluiu rotundas projetadas pelo antecessor e a única obra conhecida de Álvaro Amaro é a rotunda da Dorna. Foi a única coisa que ele fez e é uma obra qua ainda não está acabada porque falta saber o que colocar em cima. Estas são as únicas obras que identifico. Todas as outras estavam programadas. É também discutível o arranjo floral e escultural de algumas dessas obras. Há uma outra que não desprezo e acho interessante, até porque tem a ver com o património e memória dos guardenses: a rotunda do Anjo, que apesar de tudo, e tendo em conta que o escultor nasceu ali e morou ali, há pelo menos uma ligação, foi feita com a prata da casa. Mas as rotundas à entrada da cidade, cada uma com um valor global de 250 mil euros, é muito dinheiro. Tal como a reabilitação do Jardim José de Lemos, que poderia ter sido reabilitado sem aqueles custos exorbitantes e o mesmo relativamente ao parque municipal.
P – Tem criticado o atual executivo em relação aos gastos com eventos, de promoção da cidade, acha que essa é uma gestão despesista? Se for eleito o que fará para promover a cidade?
R- Gostava de primeiro fazer uma distinção. Nestes quatro anos apostou-se muito no “show-off” e nos eventos. Em 2016 gastaram-se 930 mil euros em eventos. Em 2017, não sei se é por ser ano eleitoral, estão orçamentados 1,4 milhões de euros para eventos. Depois, olhando para a coluna da razão, porque muitos destes eventos são objecto de ajuste direto, é sempre a falta de recursos próprios. Muitos destes eventos são realizados sem qualquer critério, nem cultural, nem de programação antecipada, integrados em qualquer tipo de festival, ou nalguma ação com um valor acrescido para a Guarda. Este autarca tornou aquilo que seria uma medida excecional num padrão. Tudo somado temos 614 mil euros em ajustes diretos, isto leva-me a perguntar se estamos a usar os equipamentos de forma devida? Cada vez que frequentamos uma ação cultural, pagamos um bilhete e contribuímos em certa medida para que haja alguma comparticipação e um equilíbrio em termos orçamentais. Neste tipo de evento, além de ninguém pagar, é uma despesa paga na maioria dos casos a empresas externas à Guarda. Não quero insinuar qualquer tipo de protecionismo, mas também não sei onde quer chegar com o conceito de “A Guarda renasce”. Não sei se renasce, porque estamos a enterrar a economia da Guarda num despesismo com eventos que não deixam cá nada. A restauração pode em certa medida beneficiar de alguma coisa, mas a maior parte desse dinheiro não fica na Guarda.
P- Mas concorda que está a propor um conjunto de organizações e eventos que já existem e ao quais não reconhece qualquer mérito?
R- Não lhes reconheço qualquer mérito porque são feitos de forma avulsa, sem constrangimentos orçamentais e sem calcular o seu verdadeiro impacto na economia da Guarda. Gostaria de ver um cálculo, e acho que a autarquia tem obrigação de o fazer, das reais influências da FIT – que já tem 850 mil euros orçamentados em quatro anos – na economia local. É um evento que deve ser repensado. Pode ser relevante se for feito no sítio certo, sem os custos que tem com montagem e desmontagem dos pavilhões. E não nos podemos esquecer do dinheiro que foi gasto para recuperar o espaço onde a FIT funcionou no parque urbano do Rio Diz. Algumas áreas foram destruídas e andam agora a ser reabilitadas de forma discutível também, pois há espaços que estão a ser pavimentados e impermeabilizados, quando estava determinado que fosse um espaço verde e pergunto-me se este valor de quase um milhão de euros, contando com a reabilitação em curso, não podia ter sido investido num pavilhão multiusos, que poderia servir para a FIT, para a feira quinzenal e muitas outras. Também a Feira Farta é muito duvidosa quanto aos resultados para a economia, sabendo nós que a Câmara vai buscar a Mangualde a fruta e os legumes para as escolas. A questão não é fazer certames, mas a frequência com que as coisas são feitas, o critério usado e a forma como são feitos. Há promessas que foram feitas na área do investimento, nomeadamente em relação ao tal pavilhão multiusos que nunca foram pensadas ao longo de quatro anos. Agora no último ano surgem estes projetos, é agora que a Guarda vai arrancar. Andámos durante quatro anos a fazer o quê? Fez-se da rotunda, da manilha e da recuperação do muro do cemitério uma grande obra. Vi este autarca a inaugurar garagens. Não faz sentido este “show off”. Nunca vi isto acontecer, nem mesmo nos tempos áureos do PS. Acho que não é assim que a Guarda renasce, até porque a população jovem está a ir embora. O que vejo é a vontade de demostrar determinado tipo de obra, que é mais fácil de fotografar, como as flores e as rotundas. Não se fotografa a miséria e a pobreza económica pelas quais a Guarda vai sendo invadida. Isto quer dizer que quando percorremos a zonas da Estação, a zona intermédia e a Guarda central vemos mais lojas fechadas.
P- Quais os planos para o centro histórico? O querem fazer em concreto? Em que consiste a “Fábrica de Cultura”?
R- A “Fábrica de Cultura” é olhar para o centro histórico e para certas habitações e espaços e promover nele a existência de ateliers de pintura, de artes performativas. Ao lado de um bar termos uma exposição, uma galeria ou um pintor. Há casas que, sendo prioridade da Câmara, poderiam ser um espaço aberto, com horário de funcionamento, ou inclusive serem entregues a associações. Esta Câmara fez questão de esconder determinado tipo de associações e grupos de teatro e mandou-os para o Rio Diz, escondeu-os num lugar onde eles não têm efeito visível sobre a cidade. A ideia será recuperar o centro histórico, levando par lá pessoas. Acho fantástico pensarem nos passadiços do Mondego, como uma expetativa de criar algo parecido com os do Paiva, e depois, curiosamente, temos um centro histórico com 817 anos que deveria ser recuperado, com casas emblemáticas, mas que tem caixilhos de alumínio, antenas a cair pendentes do teto, paredes completamente degradadas e rebentadas. Há que fazer qualquer coisa por isto e a Câmara está a gastar tanto dinheiro em coisas que não fazem sentido. Duas rotundas, a recuperação do Jardim José de Lemos e do parque municipal são perto de dois milhões de euros. Este dinheiro aplicado no centro histórico teria outros efeitos.
P – Há quatro anos, a única promessa que Álvaro Amaro assumiu categoricamente foi reabrir o Hotel Turismo. Entretanto continua encerrado. A sua candidatura também acha importante abrir o Hotel e o que vai fazer nesse sentido?
R- Não pode haver demagogia aqui. Um autarca com tanta experiência, que durante décadas se tem dedicado à vida política, como é possível que há quatro anos tenha feito de, forma tão leviana, a promessa de que reabrir o Hotel Turismo quando sabia à partida que não dependeria dele, já era propriedade do Estado. Apenas teria capacidade de fazer aquilo que um autarca deve fazer, reivindicar e chamar à atenção que um edifício daqueles não pode estar tanto tempo fechado porque depois vai custar mais reabilitá-lo. Grande parte do edifício, sobretudo as laterais, estão transformadas num pombal. Vai ser necessário deitar abaixo para se fazer de novo. Tenho algumas dúvidas que seja possível reabilitar o Hotel Turismo, com a dimensão que tem, e pô-lo já a funcionar com essa dimensão e dinâmica. Mas é possível que uma boa parte seja já reabilitada e ocupada pela tal escola de turismo que se falou inicialmente, sem concorrer com a do IPG, que tem uma função de formação. Aqui poderia funcionar como uma valência na área de estágio do curso de Turismo do IPG e ao mesmo tempo como um negócio rentável, explorado por uma entidade privada, por exemplo. Eu não vou prometer nada em relação ao Hotel Turismo, mas não vou ficar parado à espera que outros tomem iniciativa e vou fazer os possíveis para que não seja esquecido. Álvaro Amaro prometeu reabrir o hotel, não devia, foi leviano.
P- Considera importante a ligação da antiga rotunda da Ti Jaquina à Viceg, que o atual presidente disse que iria avançar em breve, e também a ligação da Viceg ao bairro de Nossa Sra de Fátima? Como vamos criar estas ligações se há menos gente?
R- Discordo da construção da primeira e duvido da possibilidade de tanto dinheiro para fazer todas essas coisas. A necessidade primária será a ligação da Sequeira à Viceg (rotunda do MacDonald’s) porque o verdadeiro constrangimento acontece na zona da Estação. Uma das zonas mais populosas da Guarda é toda aquela zona da Sequeira, devemos dotar de boa acessibilidade às pessoas das aldeias envolventes, pois muita gente vem dali e não têm como chegar rapidamente à cidade. A solução tem de passar por esta variante, que tiraria o trânsito da Avenida de São Miguel.
P – A Investguarda faz lembrar a antiga Sodesigal, que foi criada na Guarda para promover a indústria e atrair empresas para o parque industrial e acabou moribunda ou outras empresas municipais entretanto encerradas, em que vai ser diferente?
R- Não é nenhum conceito novo. Esta ideia da agência do investimento tem antecedentes em Braga e no Porto. O que queremos pôr em prática é uma agência que dependa directamente da Câmara, mas que tenha autonomia. Esta agência trabalharia de acordo com objetivos, numa parceria com a Câmara e com o IPG, para criar dinâmicas que pudessem atrair diversos tipos de investimento, inclusive saber junto dos empresários quais seriam as necessidades e quais as actividades complementares às que já temos. Não chega dizer que se venderam não sei quantos metros quadrados na plataforma logística. Falta saber que empresas é que lá estão, porque se lá formos elas não estão lá. Falta aqui uma actividade mais acutilante, termos quase uma espécie de agentes de ação de investimento nas feiras empresariais, junto do Governo, nas associações e no estrangeiro para tentar colher essas ideias e atrair para cá empresários. Não basta baixar as taxas. Também defendemos, mas não chega. O próprio autarca diz que baixou, mas ficou sentado à espera que viessem ter com ele. É uma postura à antiga, tem de haver alguma ação da parte da autarquia. Nós trabalharemos por objetivos e as pessoas ganhariam também por objectivos. De um ano para o outro, se não há objectivos cumpridos, tentaremos renovar, com uma avaliação dessa agência, do trabalho que estão a fazer, do tipo de trabalho e que metas estão a atingir.
P – Atualmente acha que há medo e conformismo na sociedade guardense? Já sentiu isso?
R – Além de haver medo, há constrangimento e intimidação. Os poucos empregos que se criaram são muitas vezes conseguidos por favor, por ligação pessoal, por prestação de serviço a alguém. Há pressão sobe as pessoas de um forma sub-reptícia quanto ao futuro. E há quem esteja fascinado de uma forma ilusória com esta proliferação de flores por tudo quanto é canteiro, deste “show off”, desta máquina de propaganda. Tivemos quatro anos de crise e afastamento do autarca eleito pelo PS e agora estamos a pagar por isso, porque, ao contrário do anterior, este autarca mete flores em tudo o que é canto.
P – Acha que é possível ganhar a Câmara da Guarda no dia 1 de outubro?
R – No outro dia analisei os números de investimento da Câmara e cheguei a números fantásticos. Um boletim municipal custa 10.500 euros, isso é quase metade da campanha que nós vamos fazer. Temos noção dos meios a que temos acesso. Estamos numa luta de David contra Golias, mas peço às pessoas que apostem em nós porque no ano seguinte nós vamos estar cá. Irrita-me que alguém que vem de fora, sem sensibilidade ao nosso património, esteja a esvaziar a nossa economia e a desvirtuar a nossa cidade. Temos 817 anos de história e devem ter orgulho nisso. Não queremos que a cidade morra, fique estranha e não se identifique ao espelho. As ideias, a vontade, o desejo, o facto de sermos da Guarda, de estamos cá, lutar pela nossa cidade e termos esse objectivo do nosso lado, é o que nos leva a estar aqui.
Luís Baptista-Martins/Ana Eugénia Inácio