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«Muitos dadores deixaram de ir ao hospital quando o Governo acabou com a isenção das taxas moderadoras»

Cara a Cara – Manuel Mendes

P – Deu recentemente sangue pela centésima vez. Quando começou a fazê-lo alguma vez pensou atingir esta marca?

R – Não, nunca me passou pela cabeça chegar a esta marca de dar sangue pela centésima vez, só que isto, com a continuação, é um “bichinho” que começa a mexer cá dentro e acabamos por nos sentir motivados a prosseguir. Mais tarde começamos a ter o objetivo de querer chegar às 100 dádivas e agora que as atingi há que haver saúde para poder continuar a dar mais algumas.

P – O que significa para si dar sangue?

R – Acima de tudo é estarmos a fazer uma dádiva e não sabemos para quem será. É, como costumo dizer, fazer o bem sem olhar a quem. É algo bonito e bom, além de sermos controlados porque fazemos análises e depois recebemos em casa um relatório com os resultados que avaliam se está tudo em ordem para dar força para podermos continuar.

P – Começou a fazer dádivas com que idade?

R – Comecei a dar sangue em 1977, quando tinha 22 anos. Tenho 58, portanto já dou sangue há 36 anos.

P – Como teve a iniciativa de doar sangue pela primeira vez?

R – Dei sangue pela primeira vez com o meu pai, a quem dedico esta centésima dádiva, e de quem herdei a alcunha de “Bem-Haja”.

P – Quantas vezes é que doa por ano?

R – Isso é muito relativo. Dou sangue de três em três meses, que é o período de intervalo que os médicos aconselham nos homens, enquanto que nas mulheres é quatro. Na questão das plaquetas por aférese – pequenas células sanguíneas que evitam hemorragias e se destinam a doentes com leucemia, linfomas ou cancros – não há um limite certo porque passada meia dúzia de horas o organismo tende a repo-las, mas normalmente faço dádivas de dois em dois meses. Depende por vezes se há falha nalgum dador e eu estou sempre de prevenção como “tapa-buracos” ou “bombeiro de serviço”. De resto, houve uma quebra muito grande porque houve dadores que deixaram de ir ao hospital quando o Governo acabou com a isenção das taxas moderadoras.

P – Já pensou quando é que vai parar?

R – Até quando é que vou dar sangue não sei. Será até Deus querer e ter saúde para isso. É imprevisível dizer quando vou parar porque não sei mesmo. Depende da saúde e acho que o limite máximo são os 65 anos.

P – Sente-se recompensado por pensar que o seu sangue já salvou vidas?

R – Sim, eu penso que sim. Uma das coisas que nos deixam orgulhosos interiormente é precisamente isso, até porque estamos a fazer uma dádiva e não sabemos para quem irá e tanto pode ser usada hoje como amanhã. Se estamos a salvar alguém ou não, isso não se sabe, mas sabemos que estamos a fazer bem a alguém.

P – Considera-se um exemplo que devia ser seguido por mais pessoas?

R – Não, eu não me considero um exemplo para ninguém, só digo às pessoas para fazerem o mesmo porque dar sangue não custa nada. Tento convencer as pessoas próximas, e não só, a darem sangue. Algumas dizem que não têm tempo, mas é uma questão de se organizarem. Aconselho a irem e a experimentarem, que não custa nada. É estar ali um bocadinho, 50 minutos no máximo, sem mexer os braços. É uma questão de hábito. A pessoa está ali descontraída a conversar e não tem problema absolutamente nenhum.

P – Teve algum episódio caricato relacionado com as dádivas de sangue? Nunca se sentiu mal fisicamente depois de dar sangue?

R – Nunca me senti mal nestes anos todos. A única situação que me lembro mais caricata ocorreu há anos no Instituto de Oncologia, em Lisboa, em que o médico disse para a enfermeira para me tirar menos sangue porque eu aparentava estar um pouco mais fraco. A enfermeira assim fez e meteu um penso. E qual não foi o meu espanto quando vi que por onde passava ia deixando uma pinga de sangue. Depois disse ao médico que não foi para o frasco, foi para o chão (risos).

Manuel Mendes

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