Alguém disse um dia, no original, que “You don’t remember people you love by the wise things they say, but the silly things they do”.
Por isso, o caso Robles e as implicações para o Bloco de Esquerda vão continuar a dominar a “silly season”. Este caso representa um marco e um ponto de viragem na perceção mental que a maioria dos portugueses tem da política. De facto, trata-se de um caso muito curioso, por variadíssimas razões.
Em primeiro lugar, é quase consensual, da direita à esquerda, que o caso é importante por não assentar em ilegalidades. Isto é, mesmo que existam, não é nisso que as pessoas estão a pensar quando formam uma opinião sobre o que aconteceu. É um daqueles raros casos da política ligados apenas à ética, ou à falta dela.
Isso é importante porque permite desqualificar comparações com casos com contornos completamente diferentes, como são aqueles ligados à banca, às PPP’s, ou a outras situações que oneraram o contribuinte em milhares de milhões, favorecendo no caso presente uma certa purificação ou desintoxicação monetária da discussão.
Talvez por isso, a segunda característica ligada a este caso é a do valor da palavra. Deixou de ser importante – para usar linguagem popular – que um político não roube, e passou a sê-lo mais ainda que não minta contra si próprio. Se roubar, torna-se vulgar, se mentir, torna-se suicida, o que pelos visto pode ser pior. Isso é bom, porque eleva o patamar de exigência futura do público em relação aos comportamentos dos políticos e à sua relação com o universo dos negócios. No futuro, para não mentirem, terão menos hipóteses de roubar…
Em terceiro lugar, é extraordinário que um caso destes não redunde em aparente benefício eleitoral para a parte contrária, como seria normal esperar-se em política. De facto, se admitirmos por hipótese que o Bloco de Esquerda perca metade do seu eleitorado, nada nos garante que sejam o PSD ou o CDS a beneficiar com esse facto.
Isso acontece porque uma parte significativa do voto no Bloco é não ideológico e de protesto. Como tal, já foi usado para castigar o PSD e o CDS no passado. E geralmente os eleitores que votam desta forma podem mudar o seu sentido de voto para protestarem novamente, mas com reduzida apetência a “descastigarem” as suas indignações do passado. Nesse sentido, o estridor da direita clássica foi algo infrutífero e, eventualmente, até contraproducente, pois pode ter beneficiado mais os seus adversários políticos, o PS e o PCP, do que a si própria. Recorrendo à metáfora, o povo não esquece que fica mal a alguém que bateu na mulher no passado vir criticar quem insulta a sua no presente. Como dizia Mark Twain, «o barulho não prova nada: uma galinha põe um ovo e cacareja como se estivesse a largar um asteroide».
Por último, haverá um antes e um depois do caso Robles. A autoarvorada superioridade moral do Bloco era uma espécie de reduto que a direita e até uma certa esquerda sonhavam em derrubar. No fundo, é aquela coisa de se poder dizer que os outros não são melhores do que nós. Claro que isto nos diz muito sobre o nível a que chegou a nossa política. Não é uma cena de “vocês são maus, mas nós somos bons”, até porque qualquer pessoa que saiba andar e respirar ao mesmo tempo se desmancharia imediatamente a rir. É uma cena de “vocês são tão maus como nós”. É um pouco como se um gordo que demorasse 10 minutos a correr os 100 metros ficasse felicíssimo por outro com corpo de atleta demorar exatamente o mesmo tempo.
Com a queda desse reduto, abriu-se uma caixa de Pandora. Na verdade, errar é humano, culpar outra pessoa é política. E para o eleitor de protesto, culpar sempre alguém diferente da vez anterior é uma opção tão boa como outra qualquer.
Já Tocqueville dizia que, em política, a comunhão de ódios é quase sempre a base das amizades. Ou, adaptado ao presente, talvez das inimizades…
Por: Jorge Noutel