Na linha verde do Metropolitano de Lisboa, mais precisamente na estação de Telheiras, destaca-se uma mochila abandonada. À velha ganância lusitana sobrepõe-se hoje a desconfiança, que há rumores de ameaças terroristas sobre Portugal e há ainda memória da tragédia de Madrid, e ninguém lhe toca. Ainda por cima, sobre a mochila está poisado um lenço. Parece um lenço árabe, dizem. Nestes casos não se arrisca e chama-se a polícia. Esta não arrisca também e delimita imediatamente um perímetro de segurança. Por precaução é fechada a linha verde do Metropolitano de Lisboa e os passageiros são encaminhados para transportes alternativos. Não sabemos ainda que incómodos, despesas, perdas materiais causou este encerramento. Sabemos apenas, e por enquanto, que a linha verde esteve encerrada por três horas. Entretanto, a mochila. A brigada de minas e armadilhas observa-a à distância, não sei se sisudamente, se algo enfadada com a situação. Afinal estamos em Portugal, em Lisboa. Isto não é Telavive, pois não? Não, não é, mas o trabalho faz-se na mesma, e com profissionalismo. Faz-se então explodir a mochila, com lenço e tudo. O primeiro rebentamento faz saltar lá de dentro um qualquer dispositivo electrónico, destruído com um segundo rebentamento. Na conferência de imprensa, uma responsável da polícia esclarece que na mochila não havia qualquer artefacto “pirotécnico”, havia apenas “fios, discos e aparelhagem electrónica”. Por outras palavras, tinha sido um falso alarme. Ficámos logo mais descansados, todos nós, mas as autoridades não vão dar descanso ao episódio: o passo seguinte, com recurso às câmaras de vigilância da estação de Telheiras, vai ser identificar o causador desta trapalhada toda.
Permito-me imaginar o resto. Um jovem, com pouco mais de vinte anos, entra no barco em Cacilhas. Sai no Cais do Sodré, compra um lenço a um vendedor ambulante, e apanha o metro para Telheiras. Devia ir às aulas na faculdade de economia, mas mudou de planos e vai para casa da namorada com quem combinou um encontro. Ela tem um problema no computador e ele vai instalar um anti-virus. Como os pais dela não estão em casa, vai haver liberdade total para o dia todo. Leva também o IPod, para trocar umas músicas, e a Playstation. Vão também uns preservativos, que não tem intenções de ficar a ouvir música e a jogar o dia todo. Sai em Telheiras, cheio de vontade de fumar. Olha para os lados, pousa a mochila no chão, deixa cair o lenço (que ia oferecer à namorada) em cima dela, e procura os cigarros. Acende um e começa a fumar quando vê um polícia. Que o vê a ele. E o chama. Lembra-se de imediato que não pode fumar ali, recorda as notícias na televisão, as multas, imagina-se na esquadra, o dia perdido. Começa a correr em direcção à saída, com o polícia atrás dele. Com tanta gente na estação e depois na rua, rapidamente se perde no meio da multidão para frustração do polícia. Alguns minutos depois, está a tocar à campainha da casa da namorada. A adrenalina ainda lhe circula no sistema. Está ofegante. Não leva o IPod, nem o lenço, nem a mochila. Nem os preservativos.
Por: António Ferreira