Já muitos falaram do resultado das eleições portuguesas. Vamos, porém, aguardar serenamente pelo que aí vem, embora o meu ceticismo quanto a alterações importantes permaneça inalterado, apesar de algumas movimentações.
Talvez muitos dos poucos que me leem não saibam, mas durante muitos anos tive apenas nacionalidade angolana e só muito recentemente readquiri a portuguesa, mantendo naturalmente a angolana.
Angola comemora 40 anos de independência. A 11 de novembro de 1975, a então República Popular de Angola emerge no conjunto de nações independentes. Marcada por uma saída generalizada de quadros que asseguravam o quotidiano de uma colónia muito dependente das opções pouco assertivas de uma Lisboa centralista, Angola enfrenta, simultaneamente, uma guerra civil que se prolongou até 2004.
Com índices de pobreza enormes, mesmo num contexto terceiro-mundista, e com uma sociedade onde a segregação racial era profunda, a jovem Angola é confrontada com o abandono quase generalizado dos portugueses, o que acaba por destruir o único sistema de distribuição que existia por todo o território, para além de outras implicações que levaram à paralisia de todo o sector económico e social do território.
Neste contexto, o esforço dos angolanos foi de enorme estoicismo, embora tivessem sido tomadas algumas opções estratégicas erradas, assumiu-se algum radicalismo ideológico que trouxe constrangimentos institucionais a médio prazo. Claro que é fácil dizer-se hoje que “tudo poderia ter sido diferente”, mas as circunstâncias exigiam respostas rápidas, com necessidades óbvias de reafirmar militarmente a soberania do território e a resolução dos problemas imediatos de um povo que se libertava das “grilhetas do colonialismo”.
Conhecemos a história do que foram estes 40 anos de Angola, ou melhor, uns quantos conhecem, mas, como em tudo, muitos, não sabendo, nada opinam e dão palpites com argumentos do mais risível possível.
Não tenho pretensões a explicar o que foi este percurso de 40 anos de Angola enquanto afirmação de um país, já que hoje é cada vez mais fácil explicar-se que um país africano, economicamente dependente das receitas petrolíferas, vive em sobressalto permanente, um pouco pela oscilação na cotação internacional do petróleo e também pelas opções económicas e políticas erradas que os dirigentes do país vão tomando ocasionalmente.
Fico triste com algumas situações, por outro lado fico indiferente, e fico particularmente entusiasmado com o muito que o país foi conseguindo fazer numa tentativa de inverter o marasmo e a destruição que a guerra justificou.
Há ainda um caminho longo a percorrer mormente na defesa dos princípios constitucionalmente consagrados no que concerne aos direitos dos cidadãos e ao direito de reunião e manifestação.
Convenhamos que não alinho com as posições da maior parte das manifestações que se fazem em Angola, mas também tenho que admitir que a forma de as impedir ou dispersar é demasiado violenta no quadro da legalidade prevalecente.
Quando se perpetua a prisão de um conjunto de pessoas por um período demasiado longo, invocando-se um argumento perfeitamente bizarro de “tentativa de golpe de Estado”, só se contribui para desacreditar as instituições angolanas, e a ausência de respostas para este caso revela que há muitas dúvidas na estrutura de topo, legalmente constituída, no país.
Não partilho das convicções nem da linguagem desbragada que os prisioneiros utilizam, alguns dos quais conheço pessoalmente, mas há uma coisa que insisto em defender que é a preservação da liberdade e dos direitos dos cidadãos a manifestarem-se de forma ordeira. É urgente que se acabem as prisões arbitrárias pelo crime de “delito de opinião”. Só assim o país passará a merecer respeito por parte das pessoas que não andam a ver a cotação do petróleo para tomarem uma posição.
Até lá, continuamos a não conseguir fazer o 11 de novembro de 1975!
Por: Fernando Pereira
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