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Israel aqui em casa

A Europa ocidental tem dois desportos intelectuais que giram em torno da figura do ‘judeu’. No jogging histórico, o europeu típico apenas fala das vítimas do Holocausto. ‘História’ e ‘Holocausto’ são sinónimos no dicionário da velha Europa. No jogging da política internacional, os europeus passam a vida a criticar as acções de Israel. Aliás, boa parte dos europeus pensa que criticar Telavive é o mesmo que ter um pensamento sustentado sobre política internacional. Ora, a montante destes dois joggings oficiais e mui sonoros, vamos encontrar um terceiro desporto europeu relacionado com o ‘judeu’. Mas este terceiro desporto é clandestino e silencioso. Estou, como é óbvio, a falar do jogging do politicamente correcto; aquele que branqueia o anti-semitismo dos muçulmanos que vivem na Europa. Pela mão dos islamitas, o anti-semitismo regressou à Europa. Porém, este assunto nunca merece destaque na agenda europeia.

Desde o 11 de Setembro, as comunidades judaicas em França, Reino Unido, Holanda e Alemanha têm sido violentamente atacadas por muçulmanos radicais. Em resposta, as autoridades europeias aconselham os judeus a esconder os sinais da sua jewishness. Perante esta tremenda gentileza, muitos judeus europeus estão a emigrar para Israel. E o que dizem os jornalistas e políticos sobre este problema? Nada. O anti-semitismo dos muçulmanos europeus é um tabu. Um tabu que resulta do fascismo epistemológico imposto pelo politicamente correcto. Neste estranho ambiente intelectual, criticar o islamismo radical é o mesmo que ser ‘racista’, e apontar o dedo ao anti-semitismo islamita só pode ser sinal de uma profunda ‘islamofobia’. Com medo de serem apelidados ‘islamofóbicos’ ou ‘racistas’, os europeus preferem abafar os actos anti-semitas e racistas dos muçulmanos radicais.

Eis, portanto, a notável contradição imposta pelo fascismo semântico que toda a gente conhece pela alcunha de ‘politicamente correcto’: podemos falar do anti-semitismo dos europeus que morreram em 1945, mas estamos proibidos de comentar o anti-semitismo dos muçulmanos que vivem aqui e agora. Em 2009, o ‘bom europeu’ deve hiperbolizar o anti-semitismo do homem branco (situado na nossa memória) e, ao mesmo tempo, deve branquear o anti-semitismo islamita (situado no nosso quotidiano).

Fora do mundo

Pedro Aires Oliveira escreveu um belo livro de história diplomática: ‘Os Despojos da Aliança’ (Tinta-da-China). Com um sentido narrativo raro na historiografia portuguesa, o autor descreveu as relações luso-britânicas entre 1945 e 1975. Esta obra é um retrato de um país que gosta de estar fora da História. Na questão colonial (e não só), o Estado Novo estava literalmente fora do mundo. Era como se Portugal e as chamadas províncias ultramarinas constituíssem um arquipélago flutuante acima da realidade internacional. Salazar pensava mesmo que o fim da era do colonialismo não afectaria o projecto colonial português. Ao ler este livro, voltei a pensar numa das maiores contradições portuguesas: Portugal é um país com 900 anos de história, mas, paradoxalmente, os portugueses pensam de forma ‘ahistórica’.

Por: Henrique Raposo

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