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Identidades Dissociativas

observatório de ornitorrincos

Leio nas páginas deste jornal que o Bloco de Esquerda tem dois candidatos à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal da Covilhã. A cabeça da lista concorrente à edilidade é professora, como metade dos deputados do partido, profissão que em Portugal não cria nenhuma mais-valia, o que está de acordo com as premissas socialistas. O que realmente me espanta é a profissão do candidato ao órgão legislativo da autarquia. Joaquim Silva é apresentado como empresário. Perdão? Um “empresário”? Empresário? Um malfadado criador de riqueza? Um desditoso explorador dos trabalhadores? Um malévolo detentor de meios de produção? Um mesquinho dono de propriedade privada? Um avaro agente do capitalismo globalizado?

Um empresário a concorrer eleitoralmente pelo Bloco de Esquerda é tão estranho como teria sido encontrar um hippie em listas do PDC ou ver Otelo num filme erótico com Julie Sargeant. E não é apenas porque a actividade empresarial fortalece o sistema económico de troca e acumulação capitalista que todos os militantes do Bloco de Esquerda desejam destruir ou pelo menos escrever contra nos jornais. É principalmente porque a função de dirigir uma empresa exige o uso de casaco e gravata nem que seja duas ou três vezes por mês, condição que dá origem a expulsão imediata, segundo os estatutos do partido. Ou também porque ninguém que dirija um grupo de pessoas acredita que o simples facto de ser trabalhador dá superioridade moral a ninguém, a não ser que se tenha o aspecto da Scarlett Johansson. A menos que seja um infiltrado da 4ª Internacional na “grande conspiração financeira internacional”, um empresário no Bloco de Esquerda pode ser um interessante case-study para os investigadores do distúrbio de personalidade múltipla. Além da já referida vontade de aniquilação do sistema económico do Ocidente, fortemente consolidado com as empresas privadas, o Bloco defende um conjunto de soluções que destruiriam completamente a organização empresarial existente, como sejam o fim do sigilo bancário, a contratação colectiva, um salário mínimo bem acima da produtividade e que as mulheres não devem ligar à beleza exterior.

Nas próximas eleições autárquicas a Covilhã vai entrar na pós-modernidade da política, com candidatos cheios de incongruências, como nas principais democracias ocidentais. Além de um empresário pelo Bloco, o PS estiloso-futurista de Sócrates apresenta um candidato com um bigode que já nem os treinadores de futebol usam e pelo PSD, um partido bastante preocupado com o saldo negativo das contas públicas, candidata-se alguém que liga tanto ao défice como os pais ausentes ligam aos filhos nos filmes de Spielberg. Para compor o ramo, só falta o candidato do CDS ser amigo de Fidel Castro e o candidato pela CDU comungar todos os domingos.

EU VI UM ORNITORRINCO

Mário Lino

Ornitorrinco da subespécie Teimosus, pertence ao Otary Club, um exclusivo grupo de ilustres do pântano que defendem uma nova pista de aterragem para patos, apesar da existente ser suficiente e dos próprios líderes das aves não desejarem uma nova localização. Além disso, defende a construção de uma linha para comboios 25 segundos mais rápidos do que os actuais, apesar de não haver nenhum estudo que prove a importância dessa decisão. A sua pertinácia (sinónimo de “birra” e “capricho”) já fez um outro mamífero sair do grupo que lidera os animais do charco.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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