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Homens que odeiam as árvores

A semana que passou ficará nos anais da Guarda. Um verdadeiro atentado ordenado pela Câmara contra o património natural dos seus cidadãos, não do município. Esta nuance, que um responsável da autarquia tem especial dificuldade em perceber, faz toda a diferença e ilegaliza moralmente toda esta ação, dita estupidamente, de requalificação.

Há um par de anos escrevi aqui que as mutilações a que as árvores da Avenida Cidade de Waterbury foram sujeitas não passavam de pura barbárie; juntei ao meu protesto um parecer do arquiteto Ribeiro Telles que referia, claramente, que os rolamentos ou podas radicais constituem atos que enfraquecem gravemente as árvores, condenando-as a médio prazo, à morte. Esta mesma opinião está expressa no estudo da Universidade de Trás-os-Montes, encomendado pela autarquia, e deitado para o lixo no momento da intervenção na Avenida Cidade de Salamanca. Estes atos bárbaros vêm-se repetindo regularmente por toda a cidade a pedido de moradores ou do senhor padre ou de um qualquer VIP, à boleia da falta de sensibilidade do presidente da Junta ou da Câmara. Todas estas individualidades, públicas ou privadas, demonstram um claro desprezo pela natureza. As árvores, que nos dão sombra e oxigénio, que removem o dióxido de carbono, que constituem barreiras sonoras e capturam partículas poluentes e gases, são, na nossa cidade, vá-se lá saber porquê, vistas como um estorvo, uma fonte de lixo, potenciais assassinas, conspurcadoras de viaturas e de varandas, produtoras de sombra incómoda no inverno, enfim, alvos a abater! Tendo ficado curioso com esta paranoia de alguns guardenses, procurei imagens de cidades-modelo, como Viseu e europeias e pude verificar que, por lá, deve ser só gente maluca. Nesses locais parece que adoram árvores; fazem-lhes podas cirúrgicas, abatem apenas as doentes, nas de maior porte fazem a gestão dos ramos perigosos, mas, para tal, têm gente que percebe da poda em vez de rudes madeireiros armados com motosserras. Têm-nas aos montes, grandes, enormes e até as têm junto às suas casas e estacionam os veículos à sua sombra! Incrível! Aquela gente é toda atrasada! O progresso não é nada disto; o progresso é encabeçado por um visionário incompreendido, chamado Álvaro Amaro, que aterrou na Guarda. Ele é que está certo! Nós somos apenas uns campónios que, vá-se lá saber porquê, adoramos árvores, as vemos como benéficas e não as queremos no chão e às postas e, por isso, protestamos sem razão.

Mas agora que a providência cautelar parou os trabalhos, seremos ainda vistos como forças de bloqueio à visão de um líder – o grande líder.

Ironias à parte. O que aconteceu na semana passada foi uma aberração. Antes tínhamos uma cidade com prédios feios e árvores bonitas a proteger-nos dessa visão degradante. Agora temos só uma cidade com prédios feios e, alguns, moradores e comerciantes contentes. Mas, graças ao grande líder, de alguns, aqueles vão passar a poder usufruir de um sol abrasador no verão em troca de algum sol no inverno e levar com os gases, o pó e o ruído dos carros, e alguns comerciantes rejubilarão com uma maior visibilidade dos seus estabelecimentos; nós, teremos que nos habituar a lidar com a saudade dos nossos cedros sexagenários.

Cheira-me que, na Avenida Cidade de Salamanca (mas também um pouco por toda a cidade, como uma praga que se espalhou), houve uma clara cedência, populista, aos pedidos de alguns, contra a vontade da maioria.

Alguém está, clara e obstinadamente, a faltar-nos à verdade quando nos quer convencer que, em poucas semanas, teremos árvores de folha caduca de grande porte a substituir os viçosos e jovens cedros agora abatidos. Esses indivíduos revelam uma ignorância grosseira acerca do processo de desenvolvimento das árvores. Ignoram que, por muito saudáveis que sejam, estas vão ter que sobreviver em canteiros com menos de um metro quadrado, onde já existiram outras, e irão estar rodeadas de uma enorme área impermeabilizada. A água é a fonte insubstituível de vida e as transplantadas terão muito pouco dela. A probabilidade de virem a morrer prematuramente é elevada, prolongando a visão deprimente da chaga aberta na avenida, que nunca mais será a mesma.

Pela resposta massiva nas redes sociais sentimo-nos, como guardenses, profundamente envergonhados, por termos a liderar-nos homens que odeiam, despudoradamente as NOSSAS árvores e que delas dispõem como se de um troféu de caça se tratasse.

Por: José Carlos Lopes

Comentários dos nossos leitores
Sempre Atento vmtmoutinho@hotmail.com
Comentário:
Completamente de acordo, e realmente esse senhor que “aterrou” na câmara da Guarda vindo de uma aldeia perto de Seia, julga-se um todo poderoso, penso eu.
 

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