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«É mais o que nos une do que aquilo que nos separa»

Primeiro discurso de Marcelo como Presidente da República foi um hino à autoestima.

Presidente diferente, discurso diferente. Sem dar grande conversa aos políticos – para já, apenas insistiu que vem para fazer consensos e equilibrar contas certas e justiça social –, Marcelo Rebelo de Sousa falou sobretudo ao país. Curto, emotivo, ilustrado por casos concretos de desânimo e pobreza, o discurso de posse do novo Presidente da República (que elogiou e agradeceu a Cavaco Silva) foi, sobretudo, um hino à autoestima dos portugueses.

Marcelo disse no discurso de posse, esta manhã na Assembleia da República, que «prefere os pequenos gestos que aproximam às grandes proclamações». E as suas primeiras palavras como Presidente foram simples. Mais do que falar do atual (e complexo) xadrez político, do momento económico, da Europa atribulada ou das disfunções do mundo, Marcelo Rebelo de Sousa citou Miguel Torga – «ele viu o essencial» – e «o essencial é que continuamos a minimizar o que valemos».

Colocando-se no papel de «servidor da causa pública», o Presidente da República insistiu nos grandes temas da sua campanha eleitoral – «esperam-nos cinco anos de busca de unidade e pacificação, de crescimento, emprego e justiça social, por um lado, e viabilidade financeira por outro» –, mas carregou sobretudo na tecla da motivação nacional. «Temos que sair do clima de crise em que quase sempre vivemos desde o começo do século. Afirmando o nosso amor próprio, as nossas sabedorias, resistência, experiência, noção do fundamental». E o fundamental para o sucessor de Cavaco Silva é puxar o país para cima.

Ao poder político, Marcelo deixou pistas sobre como tenciona posicionar-se. Vai lutar para «recriar convergências, redescobrir diálogos, refazer entendimentos e reconstruir razões para mais esperança», e vai ser exigente no que toca a rigor nas políticas económicas e sociais. «Temos de não esquecer, entre nós como na Europa a que pertencemos, que sem rigor e transparência financeira o risco de regresso ou perpetuação das crises é dolorosamente maior», afirmou. Mas sem cair no excesso dos números para lá das pessoas: «Por igual, Finanças sãs desacompanhadas de crescimento e emprego podem significar empobrecimento e agravar injustiças sociais».

Marcelo deixou um voto de fé no Estado Social: «É um dever de todos nós lutar por mais justiça social», o Estado «não deve impedir com excessos dirigistas o dinamismo da sociedade civil», mas «não pode demitir-se do seu papel definidor de regras e corretor de injustiças».

Fica o aviso: o novo PR quer o Estado a garantir «níveis equitativos de bem-estar social e económico, em particular para aqueles que a mão invisível (os mercados) apagou, subalternizou ou marginalizou». Num estilo pouco habitual, Marcelo ilustrou com casos o caminho que é preciso atalhar, do «pensionista que sonhou há 40 anos com um 25 de Abril que não corresponde ao seu atual horizonte de vida» ao «jovem que quer exercitar as suas qualificações e, debalde, procura emprego», passando pelo «agricultor, comerciante ou industrial que dia a dia sobrevivem a um mundo de obstáculos».

Foi um discurso muito focado nos mais frágeis e desprotegidos, a marcar uma entrada em cena atenta “aos dois milhões de pobres, mais de meio milhão em risco de pobreza e às ainda chocantes diferenças entre grupos, regiões e classes sociais”.

Marcelo lembrou quando, ainda jovem, foi deputado na Constituinte e jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição. Passou por aí, aliás, o cerimonial de posse. Ao seu antecessor, o novo Presidente da República deixou palavras de elogio e gratidão: «Uma década na chefia do Governo e uma década na chefia do Estado, que largamente definiram o Portugal que temos», justificaram da parte de Marcelo Rebelo de Sousa, «independentemente dos juízos que toda a vivência política suscita», «uma palavra de gratidão pelo empenho que [Cavaco] sempre colocou na defesa do interesse nacional».

Sobre política externa, o novo chefe de Estado afirmou as coordenadas essenciais da sua agenda nesta frente, remetendo para os três convidados estrangeiros presentes: o rei de Espanha, o presidente da Comissão Europeia e o presidente da República de Moçambique. A palavra-chave do primeiro discurso do novo presidente foi união. «É mais o que nos une do que aquilo que nos separa». O desafio está lançado.

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