P – Como é que alguém licenciada em Tradução e Relações Internacionais acaba a dirigir um grupo de teatro?
R – Quando terminei o curso vim trabalhar para a Câmara da Guarda, para o gabinete da Cultura. Na altura era o Américo Rodrigues que estava lá e que, simultaneamente, estava também na direção do Aquilo Teatro e, portanto, até integrar o grupo de teatro foi meio caminho andado. Numa primeira fase trabalhávamos, como é óbvio, com as coletividades do concelho da Guarda, foi assim que comecei a trabalhar com o Aquilo e isso despertou-me a curiosidade, até porque era um espaço bastante alternativo. Era o único na cidade e daí também eu ter aceite o convite para ingressar na coletividade. Desde então, já lá vão 12 anos, sensivelmente, foi sempre a trabalhar aqui como cooperante, sempre na área do teatro. No ano passado surgiu a oportunidade de assumir a direção, após o antigo presidente não ter querido prolongar mais a sua estada no grupo.
P – Porque é que o número de peças de teatro é cada vez menor no Aquilo?
R – É notório. A Cultura é logo o primeiro setor onde se corta quando o país tem dificuldades financeiras. Por isso estamos numa fase em que as companhias, mesmo as profissionais, estão em grandes dificuldades e claro que as não-profissionais, os grupos mais pequenos, sentem maior dificuldade em conseguir colocar peças em cena. No entanto, também notamos que apesar das dificuldades financeiras há um maior voluntariado. As pessoas estão mais de coração aberto para estar aqui e para continuar a trabalhar e a lutar pela coletividade. Não há interesses a não ser pelo simples prazer de poderem colocar as suas ideias em pé. Trata-se de jovens, criadores, amantes das artes, que veem, propõem e, claro, que nós abraçamos esses projetos. Acho que numa fase em que a Cultura está vincadamente a ser castrada é muito importante mantermos este espírito aberto para que o público chegue a nós e para que os interessados pelas artes alternativas se cheguem a nós. Estamos cá para dar todo o apoio e agradecemos porque sem esse trabalho muito mais dificilmente podíamos continuar com esta linha, ainda que menor em termos de programação, mas temos continuado com a programação.
P – Além de teatro, há concertos, workshops, formações, essas iniciativas trazem mais público que o teatro?
R – Sem dúvida alguma! O Aquilo começou com a poesia, nem foi o teatro. A génese do grupo foi a poesia e os cadernos de poesia, só passado um ano, creio eu, é que surgiu a primeira peça de teatro “Mário, eu próprio e o outro”. Há também a música e edições de CD’s de jovens que queriam formar bandas e começaram precisamente aqui no Aquilo. A parte musical também está enraizada na coletividade. Quando a Câmara Municipal nos cedeu o espaço, obviamente, tínhamos de o dinamizar de forma muito mais vincada. Era impossível fazermos teatro todos os meses e então pensámos em convidar bandas a atuar. E tem funcionado muito bem. Acaba por ser um complemento ao nosso trabalho, pois, uma vez por mês, temos uma produção de teatro complementada com música. Optamos por ir fazendo atividades de música para criar uma dinâmica diferente no Aquilo e estarmos abertos mais vezes. Nós chamamos a esses complementos “happenings teatrais” porque uma peça de teatro é muito mais trabalhosa e requer dois meses, no mínimo, de preparação. É uma outra abordagem e outra linha.
P – Qual é o balanço de 30 anos do Aquilo Teatro?
R – É bom por não termos desistido. Por aquilo que tenho visto nas coletividades do concelho da Guarda, há muitas que estão a fechar portas ou simplesmente têm a associação, mas, efetivamente, produtividade não há. Neste momento, já me sinto muito feliz e creio que a equipa toda do Aquilo se sente feliz por continuarmos a produzir. Ainda que em menor escala, mas continuamos a trabalhar. Já houve muito mais produção, muito mais espetáculos, mas o simples facto de ainda continuarmos, o simples facto de acreditarmos, é muito bom.
P – Os cortes na Cultura têm um impacto muito grande no Aquilo Teatro?
R – O impacto é forte, mas também creio que, por a Cultura estar a ser massacrada, há mais voluntariado e pessoas a aparecerem de forma espontânea. O Aquilo é uma estrutura que tem despesas mensais e é difícil conseguir manter uma casa aberta com o funcionamento que estamos a ter. Mas estamos cá de pedra e cal para o que der e vier e enquanto acreditarem em nós. A Câmara da Guarda tem-no feito e enquanto tivermos estas entidades públicas que vão acreditando nós permaneceremos.
P – A crise afastou público do Aquilo?
R – Não acho que a crise tenha afastado o público porque os preços que praticamos não são muito elevados. A entrada ronda os 2 euros com atividades de vários tipos: música, poesia e o público não se importa de pagar esse valor, que é uma coisa mínima. Costumamos ter imensa gente nas nossas atividades, pois temos o nosso público fiel que, apesar de não ter dinheiro, gosta sempre de vir ao Aquilo. Mesmo nas peças de teatro que colocamos em cena no auditório da Câmara, que agora já são escassas, nomeadamente no atelier de expressão dramática orientado pelo João Neca que termina com uma peça final, temos sempre casa cheia.
P – Que projetos tem para o futuro do Aquilo?
R – É difícil falarmos no futuro neste momento. Só se for num futuro muito de curto prazo. No próximo ano vamos avançar com duas produções, uma é certa, a segunda ainda estamos a estudá-la. Vamos avançar com parcerias com outros grupos de teatro, com instituições públicas, o que já é muito positivo. Neste momento concentramo-nos no futuro muito próximo, pois é impossível falarmos a longo prazo.