1. Enquanto António Costa dizia no nó da Raiva que a beneficiação do IP3 iria «salvar vidas» e «assegurar segurança na circulação rodoviária», numa estrada onde nos últimos 10 anos morreram mais de 180 pessoas, milhares de professores por todo o país manifestavam que continuavam em greve. Enquanto o primeiro-ministro afirmava que «quando estamos a decidir fazer esta obra, estamos a decidir não fazer evoluções nas carreiras ou vencimentos», milhares de professores endureciam a sua posição e saíam à rua a exigir a progressão da carreira. Enquanto o governo lançava uma empreitada de 134 milhões de euros para modernizar uma estrada que tem sido um empecilho ao desenvolvimento regional, os alunos continuavam sem saber as notas em mais um final de ano letivo conturbado.
Efetivamente, há muitos anos que a região centro aguarda a requalificação do IP3. Sem dúvidas que, para os milhares de pessoas que diariamente se deslocam de Viseu ou da Guarda para Coimbra (e vice-versa) e fazem a viagem com o “coração-nas-mãos” e com medo, esta é uma estrada perigosa, com todo o género de acidentes e onde a morte tem batido de frente com centenas de pessoas. Por isso, o lançamento, mais uma vez, desta obra é o corolário de anos de reivindicações das populações da região da “Beira Alta”.
Mas não faz sentido o primeiro-ministro promover a divisão da sociedade – ou se avança com a requalificação de uma estrada tantas vezes visitada pela morte ou se pagam salários mais altos aos professores. E não faz sentido, em primeiro lugar porque são domínios diferentes, são contextos diversos e são opções que nada têm em comum: o investimento na resolução da perigosidade de uma estrada estruturante é uma urgência, mas nada tem a ver com a necessária negociação com os professores. E, em segundo lugar, foi o governo que se deixou arrastar para este imbróglio quando na negociação do Orçamento de Estado com os seus parceiros de “geringonça” assumiu a reposição do período de congelamento da progressão da carreira dos docentes. Agora, enquanto os alunos, mais uma vez, são os grandes prejudicados, o governo vai perdendo margem de manobra e os professores vão esgotando recursos de protesto e perdendo a solidariedade das famílias e da sociedade “civil”. Com posições extremadas ninguém se entende.
2. Enquanto os professores recorrem à greve para exigir mais rendimentos, os enfermeiros conquistam a redução das 40 para as 35 horas semanais (os que ainda não a tinham) e entram em greve às horas extraordinárias. O governo, que foi tão rápido a fazer as contas sobre os custos da prorrogação das carreiras dos professores, demorou a fazê-las aos custos da redução de horário de trabalho dos enfermeiros. Entretanto, algumas especialidades irão sofrer graves consequências no seu funcionamento. O Serviço Nacional de Saúde vai ser altamente prejudicado. Mais pessoas terão de recorrer ao “privado” (pago em última estância pelo Estado) para terem cuidados de saúde. E para colmatar a redução de horários de 40 para 35 horas por exemplo no hospital da Guarda reduziram-se camas na cirurgia, ortopedia, pneumologia e ginecologia – os prejudicados serão os pacientes, serão os doentes, serão as pessoas que tenham de recorrer aos serviços públicos de saúde.
3. A “rua” vai aquecer e o governo vai ser posto à prova até à aprovação do próximo Orçamento de Estado. Veremos se António Costa escolhe o presente ou o futuro – o presente passa por fazer concessões aos sindicatos e agradar a todos para se manter no governo; o futuro passará por fazer escolhas, e quando os recursos são finitos não se pode prometer tudo; governar é a arte de escolher e escolher em benefício de todos ou, pelo menos, da maioria.
Luis Baptista-Martins