António de Oliveira Salazar foi o vencedor do concurso “Os Grandes Portugueses”. Isto tem várias interpretações. Por exemplo, foi curioso ver Salazar ganhar uma eleição sem precisar de fraudes. Segundo, ficamos a saber que a malta saudosista do Estado Novo usa mais telefones e telemóveis que os tipos que cresceram na poesia épica quinhentista ou que aqueles que viveram a grandeza da epopeia dos Descobrimentos. Provavelmente porque alguns salazaristas ainda estão vivos e os outros já não, o que, parecendo que não, é capaz de favorecer claramente o envio de mensagens escritas e a marcação de números de telefone de valor acrescentado. (Acto que adeptos de Salazar e Cunhal parecem executar frequentemente.) Acredito também que a vitória de Salazar se deve ao facto de o concurso ter sido transmitido na RTP, a única televisão que os reaccionários do antigamente são capazes de ver, por ser a única que elogia constantemente o governo, seja ele qual for. Tenho a certeza que grande parte do povo não é salazarista, mas esse estava a ver A Bela e o Mestre (ver texto da semana passada). Finalmente, é sabido que entre os taxistas a popularidade do ditador é bastante grande e que estes profissionais têm mais disponibilidade para ligar para estes programas de televisão quando estão nas filas de espera nas praças de táxi.
Mas o concurso não ficou por aqui. A um ditadorzeco de província seguiu-se um ditadorzinho em potência. Tivesse Cunhal substituído a ditadura existente por uma ditadura do proletariado e da sua vanguarda e o líder do PCP teria empatado com Salazar quer em votos no concurso quer em pontes com o seu nome e em mandatos de captura em nome da segurança do estado. Houve quem dissesse que se Cunhal tivesse chegado ao poder, um concurso como este não se teria realizado. Eu não penso assim. Só que se tinha chamado “Os Grandes Albaneses Ibéricos”. Os comunistas podem também queixar-se de terem sido prejudicados neste taco-a-taco particular com a escolha do defensor das figuras históricas. Jaime Nogueira Pinto é um homem com quem muitos portugueses se sentariam para jantar e Odete Santos não dá vontade nem de levar às compras.
Portanto, num concurso baseado nos princípios da liberdade de escolha e de mercado, 60% das pessoas que decidiram votar escolheram dois homens que não apreciavam nem um nem o outro. É o mesmo que escolher “Os Grandes Desportistas Portugueses” e eleger Valentim Loureiro e Paulinho Santos. Concurso por concurso prefiro A Bela e o Mestre (ver texto da semana passada). Pelo menos as mini-saias são menos obscurantistas.