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Este jardim não me parece jardim nenhum

Sentada numa cadeira de esplanada, daquelas em que convém pagar para sentar, fui observando o transformado “jardim grande”, de acordo com uma lista, inventada por mim, para definir o perfil de funcionalidade de um jardim. No topo da lista coloco o acervo de flores. É que não lembra a ninguém pôr-se a imaginar jardins sem flores! Muitas e variadas. Depois, um jardim deve convidar ao convívio entre as gerações que, cada vez mais, parece só aí se cruzarem de forma pacífica e democrática. Convém, por isso, que tenha bancos que não nos gelem as nádegas no inverno e não no-las assem no verão. Os bancos de jardim querem-se confortáveis e que não nos espicacem as artroses, nem rachem cabeças nos tropeções das brincadeiras infantis. Para descanso de avós conversadores, outra coisa que dá sempre jeito são os dispositivos de segurança passiva, como barreiras impeditivas de acidentes desencadeados por bolas que vão parar à estrada. A não ser que seja um jardim de faz de conta e não se pretenda que sirva para mais do que isso. Pode acontecer!

Nesse caso, as flores podem emigrar para as rotundas, os avós e netos para o quintal lá de casa e as bolas e jogos de “mamã dá licença” para os recintos criados para o efeito. Até porque, já se vê, as bolas e jogos de pais e mães nunca conviveram muito bem com tubos e tubinhos de rega a pregar rasteiras, mais a torto que a direito, nos socalcos dos canteiros. Também convirá não esquecer que o encontro dos joelhos com uma relva, fofinha e verde, povoada de flores coloridas e macias, não é bem a mesma coisa que cair de bruços em cima de uma daquelas lenhosas, precocemente secas e envelhecidas. Por isso, quanto a mim, o ideal será esquecer o livre-trânsito e dar antes um gelado à criançada como recordação das idas ao jardim faz de conta.

Esta nova geração de jardins começa a intrigar-me. Desponta de forma idêntica em todo o lado, ao ponto de não percebermos a que sítios pertencem e, se não fosse a localização do GPS no telemóvel, nem legendar as fotos de família se conseguia. Não que daí venha mal ao mundo, apenas se fica sem motivação para visitar sítios despersonalizados. Acham que alguém visitaria a livraria Lello se, algures na década de setenta do século passado, a tivessem “modernizado”? Também acho que não. Por lembrar da Lello, ocorreu-me, agora mesmo, que se calhar um museu de jardins era capaz de ser uma óptima ideia de negócio. Construía-se uma maquete a partir dos postais ilustrados de antigamente, arranjava-se uma quinta e replicava-se a coisa em tamanho natural. Sempre se reciclavam os icónicos bancos de jardim, feitos com ferro forjado e ripas de madeira pintadas de vermelho, em vez de terem tido como destino o lixo.

Continuando na senda empreendedora, já imaginaram poder passar no jardim faz de conta que é um jardim e comprar umas aromáticas lá para casa? E se houvesse por ali quem, de forma criativa, nos ensinasse as propriedades de cada uma delas? Pensem nisso.

Por: Fidélia Pissarra

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