Após anos de insistência para que os portugueses se assemelhem a povos do norte da Europa, eis finalmente um governo que tenta maximizar os recursos da população. Como não falamos inglês com a mesma proficiência de holandeses ou suecos (e nem sequer de Schwarzenegger) e não temos índices de produtividade alemães ou finlandeses (e nem sequer de Terrence Malick, que faz poucos filmes, mas muito bem), parece-me bem que o governo exija aos trabalhadores portugueses (nomeadamente os da administração pública, que é onde – para já – manda) que aplique as suas melhores características ao serviço da modernização do país, não perdendo por isso, as suas melhores tradições. Refiro-me, claro, à queixinha e à delação. Seria uma pena um país tão bem treinado durante décadas na acusação a familiares, amigos, colegas e vizinhos perder agora não só um importante marco da sua especificidade cultural como um excelente valor económico no competitivo mercado global.
O governo tem-se preocupado muito com esta questão, razão pela qual teve a feliz ideia de um cartão único, que permite reunir e centralizar toda a informação sobre um cidadão, criou a Entidade Reguladora da Comunicação e está prestes a legislar sobre uma comissão de carteira de jornalista, para que estes não ponham o pé em ramo verde e andem por aí a magicar historiazinhas sobre assuntos que não são da sua conta. Numa outra iniciativa genial, o governo pretende criar uma espécie de superintendente geral da polícia, que responde directamente ao primeiro-ministro. Este foi também o governo que autorizou um inquérito nas escolas no qual se pedia aos meninos para denunciar os pais. E agora, prepara-se para lançar um livrinho onde se explica todos os passos para denunciar colegas de trabalho de actos de corrupção, poupando assim dinheiro aos contribuintes em investigações policiais e judiciais. Devo dizer que muito me apraz ver um governo assim preocupado com os seus cidadãos. É sabido que os portugueses, além de serem mestres na quexinha, também são craques na birra e ilustres na manha. No fundo, somos umas crianças pequenas que precisamos de apanhar uns tabefes se não tivermos juízo. E tal como as crianças, ninguém melhor que os colegas do recreio para nos vigiarem as acções.
Por considerar tão boa ideia esta iniciativa de denunciar os coleguinhas que prevariquem, vou eu próprio, com a obrigação moral que se exige a um servidor da causa pública, passar a propalar todos os pecadilhos que observar, mesmo que eu – a verdade é dura – esteja também envolvido. A partir de hoje, nunca mais deixarei passar em claro um pastel de bacalhau extra colocado no prato pelas funcionárias da cantina, ou quando um aluno ou outro professor, no bar, me perguntarem se também quero café. E nas finanças, quando for comprar os impressos do IRS e me pedirem dinheiro, vou gritar com todas as minhas forças “Corrupto! Corrupto!” e fico à espera que chegue a polícia. Mesmo entre os mais jovens, a prática é comum. Adolescentes e pós-adolescentes trocam carícias e sexo, no que só pode ser para receberem outro tipo de favores materiais. Ninguém acredita que haja algum tipo de sentimentos envolvidos, ali só existe pouca-vergonha. Crie-se uma autoridade para lidar com casos destes. Eu estarei atento, senhor primeiro-sinistro. Perdão, ministro.
Por: Nuno Amaral Jerónimo