Este domingo há eleições presidenciais por cá. Mas, nos interstícios da campanha, chega-nos a notícia mais dura. A OXFAM, organização não-governamental que atua em mais de uma centena de países do mundo na luta contra a pobreza, torna público o facto que mais deve envergonhar a minha geração à escala global. A riqueza do 1% mais rico do mundo ultrapassou a riqueza dos restantes 99%. Pela primeira vez temos mais de metade da riqueza nas mãos de menos de uma centésima parte de nós todos. O relatório da OXFAM, agora tornado público, acrescenta ainda que «o fosso entre a franja dos mais ricos e o resto da população aumentou de forma dramática nos últimos doze meses». Se há 5 anos «só» as 388 pessoas mais ricas do mundo igualavam metade da riqueza do mundo, agora bastam apenas as 62 pessoas mais ricas. Diante desta tendência tão pronunciada a pergunta a fazer é: como podem sobreviver a democracia e a paz social a esta desigualdade acelerada? Ou se faz alguma coisa ou, mais tarde ou mais cedo, deixaremos de fazer esta coisa cidadã que é, certos domingos como este, irmos depositar um voto e assim eleger quem nos represente. Seremos demasiado desiguais para isso.
As receitas sociais-democratas do passado há muito deixaram de bastar. É preciso fazer mais e diferente para combater a pobreza e a desigualdade. É preciso fazê-lo de forma mais radical, com políticas que levem mais longe os valores da justiça social e da justiça intergeracional, garantindo aos filhos desta geração um horizonte de oportunidades tão aberto quanto aquele de que pudemos beneficiar.
Mas essa luta contra a desigualdade social estará necessariamente votada ao fracasso se não for acompanhada por uma luta contra o igualismo, que trata fortes e fracos, invulneráveis e frágeis, todos pela mesma bitola. Por exemplo, desempregados e empregados, novos e velhos, homens e mulheres. Ou também, de forma bem patente por aqui, o Interior e o litoral.
Uma luta eficaz contra a desigualdade, que não se fique pelos efeitos e vá às causas, tem de ser também uma luta contra o igualismo que não protege e deixa tudo e todos expostos à força do mais forte. Esse era o propósito central da austeridade que se queixava dos privilégios adquiridos e das zonas de conforto, não para vencer alguma injustiça, mas, pelo contrário, para poder perpetrá-la à vontade. Do mesmo modo, esse prossegue como o propósito de uma hegemonia global que, vencendo fronteiras e ordenamentos jurídicos, possa tornar o planeta todo monocultura refém das mesmas necessidades de consumo. Era preciso, como uma biodiversidade na natureza, uma pluralidade de modos de as comunidades organizarem as suas economias e os seus estilos de vida.
No fundo, combater e inverter a tendência para a desigualdade, e para o igualismo que a fomenta, consiste em restaurar o sentido da equidade, entendida, desde a Antiguidade, como o cuidado em tratar de forma igual os casos iguais e de forma desigual os casos desiguais.
Entretanto, Davos recebe esta semana uma vez mais os mais poderosos e os mais ricos para o Fórum Económico Mundial, que saberão conciliar, na paz das montanhas suíças, paraísos fiscais e infernos sociais. E assim a iniquidade vai tomando o lugar da equidade.
Por: André Barata