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El alcalde

Menos que Zero

O homem adorava ser bajulado, celebrado e homenageado pelos seus concidadãos. Um pouco por todo o concelho, multiplicavam-se as inaugurações de espaços com o seu nome. Cinemas, parques de campismo, salas e escolas eternizavam o nome do venerável autarca, um iluminado que por sorte nasceu naquela pobre terra do interior. Do alto da sua modéstia, o autarca dizia não aprovar estes baptismos, mas nada fazia para os impedir. Timidez, certamente.

A obra crescia a olhos vistos, mas isso não impedia que, aqui e ali, surgissem vozes dissonantes. Quando um político ou jornalista discordava da sua opinião, o autarca lançava no seu encalço um dos seus fiéis acólitos. Esta guarda pretoriana, constituída por diligentes funcionários da autarquia ou companheiros de partido em funções na Câmara, resolviam quase sempre os problemas sem que o autarca tivesse de se preocupar com minudências.

Os dias passavam sem sobressaltos, quando os casos começaram a suceder-se a um ritmo alucinante. O autarca viu-se obrigado a encabeçar a reacção aos vis ataques.

– Um jornalista atreveu-se a ouvir a oposição? Corte-se já a publicidade e suspenda-se de imediato o envio de notas de imprensa para esse jornal.

– Outro jornalista fez uma pergunta incómoda? Prepare-se rapidamente um insulto gratuito, se possível frente aos colegas de profissão. Ele insiste? Envie-se de imediato um assessor, de preferência um ex-sindicalista, para impedir a entrada desse pé de microfone na conferência de imprensa.

– O vereador da oposição quer documentos? Mandem fotocopiar as cartas de apoio que recebemos dos munícipes. Se ele insistir na toada de desafio, contactem imediatamente as “fontes” que nos são próximas para colocarem nos jornais algo que o envergonhe.

– Um deputado municipal fez perguntas indiscretas. Suspenda-se já o diálogo com esse senhor.

– Um funcionário da Câmara atreveu-se a discordar do presidente? Destaquem-no para uma secretária colocada num vão de escada.

Enquanto isso, a vida na cidade seguia o seu ritmo compassado. Aparentemente, vivia-se no melhor dos mundos. O pior era conseguir uma opinião, um simples perecer acerca da actuação da Câmara Municipal.

– Então o que acha do presidente da Câmara?

– Sabe, não posso responder. Sou comerciante e sabe como é…

– E o senhor?

– Desculpe não comentar, mas quem se dedica à construção civil não está interessado em ter problemas com a Câmara.

– Então e as obras de embelezamento da cidade?

– Não me leve a mal, mas não posso responder. A cidade é pequena e nunca se sabe.

E assim seguiam os dias naquela cidade da América do Sul dirigida com mão de ferro pelo general na reforma.

– América do Sul? Tem a certeza? Está enganado, pá!

– Não estou, não senhor. Ou alguém acredita que isto possa acontecer numa cidade da União Europeia?

Por: João Canavilhas

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