Vinte e três dias depois das eleições, finalmente, há governo… por pouco tempo.
A coligação Portugal à Frente (PSD e CDS) ganhou as eleições, mas o PS, BE e CDU têm mais deputados. Se até agora quem ganhava as eleições governava, a partir de agora, «o novo paradigma», quem tem mais mandatos é que acaba a governar.
Parece confuso mas nem tanto. Quem quer perceber como funciona a política pode instruir-se lendo “O Príncipe”, de Maquiavel, ou, com menos esforço, ver a série televisiva “Os Homens do Presidente”, criada por Aaron Sorkin. O primeiro é um clássico que faz sentido conhecer, interpretar e decifrar; o segundo é o resultado da análise e acompanhamento de políticos e bastidores da política (Partido Democrata americano) que Sorkin redige com mestria e põe em guiões onde encontramos tudo, até, mutatis mutandis, as contradições atuais da política portuguesa. A angústia e o nervosismo sobre se António Costa tem ou não legitimidade para chefiar um governo de esquerda é um pormenor no meio da intriga habitual, dos golpes palacianos e das habilidades e conspirações com que nos bastidores se alimentam os poderes e se constroem lideranças.
Na campanha, António Costa apostou numa maioria absoluta, depois quis uma maioria “simples” e afinal quer governar mesmo sem ganhar as eleições. Percebeu que essa poderia ser uma opção quando, olhando para as sondagens, mesmo sem acreditar, porque ninguém acreditava, que o PS ia perder as eleições que tinha de ganhar. Já então, longe dos palcos e da análise à campanha, junto dos mais próximos, Costa terá congeminado a alternativa quando lançou a “bomba atómica”: não aprovaria o Orçamento da coligação, se esta ganhasse com minoria. Parecia um erro, um tiro no pé, mas era um aviso… Na noite eleitoral, e confirmada a derrota do PS, enquanto alguns pediam a demissão, Costa pensava no “Príncipe” e em como transformar uma derrota “estrondosa” numa vitória ainda que só a ele interessasse. Viu como a CDU se pôs em bicos de pés celebrando a derrota da direita; viu como Catarina Martins lhe estendeu o tapete da vitória da esquerda; e esperou, esperou para ver Passos Coelho e Portas festejar e, então, Costa assomou-se com a vitória da esquerda. Surpresos, os portugueses dividem-se. Dividem-se como nunca até agora: então quem ganha as eleições, afinal, constitucionalmente não é quem governa? Interrogam-se uns, enquanto os outros afirmam que obviamente ganharam, ganharam porque se vão coligar depois das eleições, mesmo que nunca antes tenham pensado em estar juntos, depois da indigitação presidencial, depois da tomada de posse do novo governo de Passos Coelho, depois de uma qualquer moção de rejeição que há-de destronar uma direita ainda em estado de choque pela forma como vai ser apeada do poder. E quando alguns se perguntam sobre os valores dos comunistas ou dos trotskistas, sobre a sua coerência e ideais, sobre o que defendem e o que atacam, deviam era ir ler Maquiavel e concluir sem mais que, em política, sem poder nada se faz, mas faz-se tudo pelo poder, mesmo que seja às escondidas ou com jogos, como se percebe no guião de Aaron Sorkin. Bem pode Catarina Martins declarar que não é o poder que a move, que todos concluímos que é a vontade de ter poder, pelo menos o poder de destronar Passos e Portas, de rebaixar Cavaco Silva e de estender a passadeira ao PS que move o BE e o PCP. Falta saber em que condições, quanto é que isso irá custar ao país e até quando comunistas e “novos comunistas” irão suportar António Costa. O presidente da República vai engolir um sapo e sair pela porta pequena, mas depois vai ter o consolo de ver a queda dos anjos e o espalhanço do príncipe e dirá: «Eu avisei»! Daqui a um ano tudo estará pronto para novas eleições e, entretanto, como dizia Fernando Pessoa, cada um terá que dizer para si próprio: “Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim!”
Luis Baptista-Martins