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DOIS TESTEMUNHOS SOBRE ABÍLIO BONITO PERFEITO

Ana Branco, professora de História, aposentada

Eram os agitados anos 60, prenunciando tempos de mudança, quando à Guarda aportei para frequentar o 6º ano do curso complementar no Liceu de que era Reitor, recém-nomeado, o Sr. Dr. Bonito Perfeito que viria a ser, durante dois anos, meu professor na disciplina de Latim.

Grande foi a minha apreensão inicial desde logo, porém, desvanecida pelo fascínio estimulante das suas aulas, espaço de permanente desafio lógico onde o tempo fluía que nem matemática pura. O Reitor, o rosto da autoridade, era profissional de ofício nobre exercido por vocação, com competência, saber e rigor superlativos. Professor inspirado. De grande exigência ética e estética. Elegante e sedutor, cultura superior, observador arguto, fina ironia.

Amigo. O meu Professor.

Quando comecei a trabalhar, foi com toda a simpatia que o Sr. Reitor me recebeu e acolheu naquela que, desde então, passaria a ser a minha segunda casa.

Homem inteiro, no pós-25 de Abril, continuou como professor na sua e nossa Escola, a Afonso de Albuquerque, até ao dia em que, depois de longa carreira e tão brilhante, decidiu retirar-se. Avesso a homenagens outras, o Mestre obsequiou-nos com a sua última lição. Os amigos, velhos e novos, emocionados e agradecidos, escutaram-no. Disse e, naquele momento, fez-se poesia.

Curvo-me ante a sua memória que evoco com respeito, admiração, afecto, lembrando, também, a Srª D. Maria Alice.

António José de Almeida, professor de Português, aposentado

A minha amizade com o Dr. Bonito Perfeito foi-se construindo ao longo de muitos anos. Primeiramente tive-o como Professor nos meus 6º e 7º anos e desde o início fiquei rendido às qualidades da sua docência. Quando, meia dúzia de anos após, comecei a minha vida de professor eventual no Liceu Nacional da Guarda, vivi, mais de perto, com as suas funções de Reitor que desempenhava, a meu ver, com enorme competência. O meu relacionamento pautou-se sempre numa esfera de afectividade, já que nem eu me esquecia do papel que em mim exerceu enquanto Professor, nem ele se esquecia dos seus alunos. Excelente pedagogo e humanista que se cultivava com esmero, as suas competências traduziam-se em obras didácticas (Livro e Gramática de Grego), em artigos no âmbito da sua especialidade publicados em revistas conhecidas e na atenção que dispensava à literatura em geral e à portuguesa em particular. Extraordinariamente culto, era um intelectual de grande prestígio reconhecido pelos seus pares e não só… Mais tarde, após o meu estágio, e já como professor efectivo, tive ocasião de reforçar a minha admiração pelo antigo mestre e colega de então. Alguns gostos comuns, fundamentalmente no âmbito cultural, foram-nos aproximando cada vez mais, solidificando uma amizade que paulatinamente se foi construindo.

Foram muito interessantes os momentos de convivência com o Dr. Bonito Perfeito, mas situando-me mais estritamente no plano das emoções, escolheria três. O primeiro quando se aposentou e deixou o Liceu; o segundo quando, saindo da Guarda, foi residir com a Senhora D. Maria Alice para a Casa de Repouso do Real, em Santo Tirso. Vi-os partir com tristeza. Ofereceu-me, na altura, em encadernação de luxo, os volumes do Teatro de Racine, Corneille e Molière, bem como dois objectos de grande valor estimativo, gesto que muito me sensibilizou. O último aconteceu já este ano quando, em 23 de Junho, o visitei pela derradeira vez. Muito debilitado, recebeu-nos com afabilidade, conversei com ele com as óbvias limitações, ofereci-lhe a Praça Velha nº25 com um artigo meu que lhe dedicara… E pronto. Um mês e poucos dias depois faleceu. Prestei-lhe comovida homenagem na capela mortuária anexa à Igreja do Mosteiro de S. Bento em Santo Tirso. Recordo-o hoje, como já tive oportunidade de escrever, como um grande Mestre e grande Amigo de quem tenho saudades.

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