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Dois e Dois São Quatro

Sempre desconfiei de visões parcelares e interessadas da realidade. “O Superior (com maiúscula) interesse do Sporting”, por exemplo. Há outros clubes, outros interesses, todos eles superiores na sua visão egoísta da, chamemos-lhe assim, realidade. Há por exemplo a considerar, também, os interesses do Futebol Clube do Porto e do (genuflexão) Benfica. Mas como explicar isto a um adepto do Sporting? Como, no fundo, conciliar interesses inconciliáveis?

Todos queremos que todos os trabalhadores melhorem os seus salários, até para comprarem mais produtos às empresas, e que estas, vendendo mais, criem mais empregos, tenham mais lucros e paguem mais impostos, que podem por sua vez ser gastos em melhores salários para os trabalhadores da função pública e em mais e melhores investimentos públicos.

Nas épocas de crescimento é mais ou menos isso que acontece, para contento de todos. A preocupação é em geral a inflação, que tanta gente com mais dinheiro nos bolsos e mais poder de compra vai disputar entre si, ferozmente, o último patinho de borracha – e subir o seu preço.

Quando a economia não cresce, ou regride, como agora, é que surgem os problemas e ganham importância os bloqueios do sistema (e um deles é ser um dado adquirido que os salários não podem, em circunstância alguma, baixar). As empresas, vendo diminuir as vendas, em lugar de contratar trabalhadores despedem-nos. Em vez de pagar impostos, apresentam prejuízos, ou fecham. Os desempregados têm tendência a gastar menos, originando mais problemas para as empresas, que vendem ainda menos e contratam ainda menos. Os trabalhadores do Estado continuam a querer melhorar a sua condição de vida, mas o Estado já não tem dinheiro de impostos que chegue para satisfazer essas exigências e, das duas uma, ou recusa aumentos ou tem de pedir dinheiro emprestado para satisfazer as exigências salariais dos seus trabalhadores.

Não vai demorar muito até que tenhamos toda a gente a berrar pela sua parte do bolo, querendo uma porção cada vez maior – sem ninguém se aperceber da diminuição drástica entretanto sofrida pelo bolo, e sem ninguém dar conta de que já nem sequer chega para todos.

É verdade que o egoísmo é típico dos tempos difíceis e que estes acabam muitas vezes no “salve-se quem puder”, ou na lei do mais forte, do que berra mais, mas, nos tempos que correm, parece é faltarem cada vez mais pessoas e políticos (há diferenças) que saibam fazer contas.

Por: António Ferreira

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