A crise das hipotecas transformou-se rapidamente numa crise global do sistema financeiro e espalhou-se depois muito depressa para toda a economia. Não demorou muito que se começasse a notar o abrandamento das trocas comerciais, com paragens significativas nas frotas das maiores empresas de camionagem. Se as pessoas, os consumidores, têm menos dinheiro disponível e maiores dificuldades no acesso ao crédito, é natural que comprem menos às empresas. Se estas desencadearem despedimentos em massa, como está a acontecer, entramos num círculo vicioso de recessão: menos procura por parte dos consumidores, menos actividade económica, mais despedimentos, ainda menos procura, etc.
A indústria automóvel é responsável por boa parte da riqueza produzida e por boa parte dos empregos. A Autoeuropa é responsável por cerca de 1% do PIB português (em 2007, que em 2002 era quase o dobro) e 10% das exportações. Assegura milhares de postos de trabalho. O que é mau para a Autoeuropa é mau para Portugal, como se dizia da General Motors em relação à América. Hoje a General Motors, tal como a América, está em apuros. Mesmo assim, numa espécie de fuga para a frente, ou de último recurso, prepara uma fusão com a Chrysler.
Barack Obama pediu esta semana a George W. Bush que apoiasse financeiramente e com urgência a indústria automóvel dos EU, temendo evidentemente que à data da sua tomada de posse seja tarde de mais. Ângela Merkel acaba de recusar uma ajuda específica à Opel, subsidiária europeia da General Motors, com o argumento de que os benefícios fiscais atribuídos para 2009 à generalidade da indústria automóvel alemã são suficientes. Entretanto, face à diminuição da procura de automóveis novos, a BMW suspende a produção. Tal como o fez já a Autoeuropa.
A Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel, que reúne sobretudo as empresas que fabricam componentes, alerta para uma possível perda, já no primeiro semestre de 2009, de 12000 postos de trabalho em Portugal. Não era difícil prever isso, face ao alastrar da crise (das crises). O problema é que não vão ser apenas as multinacionais da indústria a sofrer com essas crises, seremos todos. Desde logo aqui, na cidade da Guarda, com a Delphi e a Dura em casa vez maiores dificuldades e os empregos que garantem cada vez mais em causa.
Há alguma ironia em tudo isto. Há dois anos atrás a grande discussão na opinião pública residia na salvação do planeta e na urgência de parar o aquecimento global. Para isso, era desejável que houvesse menos carros na estrada a enviar dióxido de carbono para a atmosfera. Parece em vias de se concretizar o objectivo: vai haver menos carros na estrada. Mas vamos ter um dilema na escolha daquilo que queremos salvar: a economia ou o planeta?
Por: António Ferreira