Arquivo

Dia da marmota

observatório de ornitorrincos

Na passada terça-feira comemoraram-se os 250 anos do maremoto que feriu Lisboa. Utilizo conscientemente o verbo “comemorar” porque o motivo exige celebração. Lisboa tornou-se uma cidade moderna depois da destruição e o Marquês de Pombal foi imortalizado numa praça – hoje também uma rotunda – onde os adeptos dos clubes de Lisboa festejam os títulos. A capital ganhou com isso também o respeito das grandes urbes internacionais. Todas as cidades com prestígio foram, em alguma altura da sua história, assoladas por uma desgraça ou uma catástrofe. Tóquio foi atingida por sismos, Praga por inundações, Nova Orleães por um furacão, Londres por um incêndio, Roma pelos Bárbaros, Nova Iorque por dois aviões, Paris por Jacques Chirac e Bruxelas pela Comissão Europeia.

Por estas e outras várias razões, as cidades e vilas da Beira Interior, em vez de exigir ao governo um aeroporto, uma paragem do TGV ou que nunca mais cá venha o Circo Chen, deveriam pedir aos céus um tsunami no Zêzere ou um tremor de Serra de intensidade 8 e pico. A Covilhã e a Guarda só teriam a ganhar com tal fenómeno. Para começar granjeava algum renome internacional. Veja-se o caso de Krakatoa, que ninguém sabe onde fica, mas é conhecida no mundo inteiro por ter sido palco da maior erupção vulcânica de que há registo. O máximo a que as nossas cidades podem aspirar é ao record do Guinness para o maior “enfarta-brutos” do mundo ou para a auto-estrada menos utilizada da Europa Ocidental. ´

É verdade que pode ter sobrevivido apenas uma pequena percentagem da população da área, mas o nome da ilha ficou gravado para a eternidade. E podemos sempre argumentar, com razão medicamente comprovada, que tanto em Krakatoa como em Londres ou Lisboa as pessoas acabariam por morrer mais tarde ou mais cedo e não chegariam, com toda a certeza, vivas ao século XXI.

Além disso, um desastre natural hoje seria muito mais seguro para as populações. Os peritos afirmam que o Metro é um lugar de confiança em caso de terramoto. No caso da região, os múltiplos silos subterrâneos existentes em todas as cidades, vilas, aldeias e lugarejos com três casas serviriam adequadamente às necessidades de abrigo.

A Beira Interior necessita de um cataclismo digno do Antigo Testamento e não do acumular de flagelos saído das cabeças dos autarcas a que temos assistido. Mesmo na minha condição agnóstica, acredito que Deus fizesse numa manhã um trabalho muito mais animador e esteticamente mais apreciável do que dezenas de Câmaras Municipais. E mesmo que, num acesso guterrista, Deus desse cabo disto e deixasse os escombros para outros reconstruírem, a Beira Interior ganharia no mínimo uma terraplanagem gratuita. A Natureza teria, neste caso, o justo epíteto de Mãe.

A Covilhã e a Guarda seriam dessa forma tema de abertura dos noticiários da CNN e da RTP Internacional, receberiam visitas de um ou outro grupo ou cantor rock em fim de carreira sem ser nas festas académicas (ex: Xutos, UHF ou David Fonseca), veriam os seus centros reconstruídos com razoabilidade, as suas avenidas seriam largas, planas e sem curvas. E daqui a 200 anos, em vez de duas cidades dedicadas ao ski para idosos, a Beira Interior poderia muito bem ser a Califórnia portuguesa, só que sem mar, sem calor, sem ouro e sem Hollywood. Pensando melhor, ser como a Califórnia talvez fosse difícil. Com as suas potencialidades talvez possa ser o Arkansas de Portugal.

Também o jornal O Interior poderia incluir um especial de 10 páginas, uma revista especial e obras em fascículos com toda a informação pertinente, jornalística ou séria, sobre o desastre ocorrido, como os jornais de Lisboa fizeram durante a última semana.

Venha de lá depressa esse abalo. Estamos fartos de ver tudo a acontecer em Lisboa (a Expo, a final do Euro, o terramoto) e o resto do país nunca ter nada em condições.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

Sobre o autor

Leave a Reply