Hoje, por dever de consciência e imperativo nacional, estou obrigado a escrever sobre incêndios. É também uma forma de prestar a minha homenagem àqueles que perderam o bem supremo da vida, fruto da barbárie das chamas, e aos que foram afetados física, emocional ou economicamente pelas mesmas.
Sobre a forma de propagação e combate aos incêndios, ou sobre a organização da floresta, vou abster-me de tecer comentários, tamanha é a quantidade de especialistas que têm emergido nos últimos tempos. Não ouso contrariá-los, pese embora esteja consciente que a maioria fala de cor, não sabendo responder, se lhe perguntarem, como se acende um fósforo, como se rabuja uma árvore, o que é o pasto, um bardo de silvas, o feno, como os animais são agentes de propagação e como a autossustentabilidade do sistema rural e florestal evita os incêndios e dificulta a sua propagação.
O maior de todos os erros tem sido limitar a discussão a estas razões, sem questionar a verdadeira razão do problema: o despovoamento de uma grande parte do território interior. Há, sem dúvida, uma correlação direta entre os incêndios e a baixa densidade populacional.
O interior vai morrendo, já não lenta, mas aceleradamente, num processo que começou com a morte da agricultura, continuou com o encerramento das escolas, estações de correio, juntas de freguesia, bancos – e não tardará a chegar ao encerramento de igrejas. E aqui, por analogia ao Vaticano, único estado no mundo onde não se nasce, apenas se morre, por estas paragens praticamente também já não se nasce, só se morre.
Estes são os factos. Mas o mais importante é pensar o futuro. Depois dos fogos. Depois dos políticos, dos abraços e dos pagadores de danos se irem embora, será necessário, em definitivo, pensar e agir com coerência e em conformidade.
Tal como uma empresa que durante os anos iniciais dificilmente poderá ter lucro, o Estado central tem o dever de dar o exemplo, mesmo que daí resulte um prejuízo imediato. Deve transferir serviços e criar mecanismos potenciadores de verdadeiras políticas de coesão territorial, as quais, imperativamente, só podem ter por base as pessoas e a sua fixação homogénea em todo o território nacional.
O Poder Local tem de sair da tradicional pedinchice e subserviência e passar ao patamar da exigência ao Estado central porque o futuro dos seus munícipes assim o exige. Que ao menos o sacrifício dos que morreram sirva para despertar a consciência, o direito e, sobretudo, os deveres de cidadania. Essa será sem dúvida a melhor homenagem que poderemos prestar aos que perderam tudo.
Por: Acácio Pereira
* Presidente do SCIF-SEF – Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF