1. Como o David Dinis escreveu no “Público”, ninguém foi celebrar para o Marquês, mas a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo devia ser razão para os portugueses celebrarem. Não será razão para a exuberância de outras festas, e talvez a metáfora do Presidente da República chegue para nos regozijarmos: os portugueses passaram a viver com mais 20 centímetros. O nome pode ser Salvador, Ronaldo, Fernando Santos, ou Marcelo, Centeno, Costa, ou até Passos – não vale a pena andar à procura de nomes, porque quem sentiu as dores foram os portugueses, no seu todo, e em especial os mais fracos e os mais jovens. O país mudou como um todo – em 15 anos só por duas vezes Bruxelas não nos impôs o Procedimento por Défice Excessivo. A coisa passou a ser tão normal que ninguém rasgou as vestes a até as oposições falavam do assunto como um fado, uma normalidade. Mas não era. Era um pesadelo, que permitia às agências tratarem-nos como lixo, os nórdicos chamarem-nos preguiçosos e o holandês de nome impronunciável dizer que queríamos era “putas e vinho verde”.
Por isso, quando agora sabemos que Portugal deixa de estar sobre o jugo do braço ameaçador do défice, temos de sentir alívio – um alívio coletivo, merecido e necessário – não porque as nossas vidas vão mudar ou se possa aliviar a pressão e o rigor, mas porque já não estamos debaixo da guilhotina e do ataque vil dos menos solidários da Europa. Portugal continua com uma dívida pública excessiva (130,4% do PIB) – apenas inferior à italiana e à grega. Mas abandonámos um clube onde andámos quase 15 anos, e de onde saíram outros países esforçados (Grécia incluída) e que agora é integrado por Espanha, França e Inglaterra (Reino Unido). Agora, vamos ter direito a maior flexibilidade da política económica, ao mesmo tempo que teremos maior credibilidade externa.
2. Neste momento de regozijo convém recordar o caminho para aqui chegarmos – foram introduzidas muitas reformas, muito para além dos cortes e do aumento de impostos, muito para além da «espiral recessiva» defendida por Gaspar e do empobrecimento imposto por Passos Coelho. Portugal reformou-se menos do que muitos reclamavam mas o suficiente para mudarmos dinâmicas essenciais para hoje chegarmos ao sucesso. O Governo de Passos e Portas exageraram na medicação, mas devemos reconhecer que houve algumas mudanças estruturais que hoje nos beneficiam, no mercado laboral, na concorrência, na rapidez dos procedimentos administrativos e nos licenciamentos, na reestruturação das empresas públicas, na liberalização do turismo (a nossa maior panaceia atual) e na redução das pornográficas rendas das PPP e das energias.
Quando pedimos ajuda (78 mil milhões) em 2011, o défice público ultrapassara os 10% do PIB, a dívida pública e os respetivos encargos tinham disparado e o sistema bancário estava a meter água por todos os lados. E houve algumas medidas corretivas (impopulares, obviamente) mas que contribuíram para estancar o crescimento da dívida (que duplicou a partir de 2007) com “sangue, suor e lágrimas” – e cujas marcas ainda hoje estão bem presentes. Durante sete anos o Estado não criou emprego obrigando milhares de jovens a emigrar, fragilizando os serviços e impondo um envelhecimento na função pública. E reduziu o investimento público com graves consequência na economia.
3. O poder local, tantas vezes trucidado e chamado de despesista, foi ao longo dos anos o refúgio do desenvolvimento dos territórios – quantas vezes abandonado pelo poder central – e foi o sector público que mais e melhor «se reformou». Assumiu responsabilidades cada vez maiores na administração pública mas geriu bem e foi mais parco e rigoroso que a administração central.
Aqui, devemos fazer a justiça à reforma de Passos Coelho: a imposição da Lei de Compromissos, com a qual moralizou e regulou a administração pública. E precisamente por causa desta lei hoje a maioria das autarquias portuguesas têm boas contas. E quando ouvimos alguns autarcas falarem em saneamento financeiro, escondem que o fizeram porque foram obrigados. E ainda bem. Com a Lei de Compromissos acabou o regabofe das Câmaras que acabaram por ser um grande contributo para a descida do défice português. E para além da reestruturação pontual de algumas autarquias, com mais ou menos ajudas de programas com o apoio do Estado, felizmente hoje vemos como há municípios que pagam aos fornecedores em apenas alguns dias – evitando cobrança coerciva, juros e preços elevados dos fornecedores, pois sabem que vão cobrar (na região, apenas Fornos de Algodres continua com dificuldades depois de herdar um buraco que não tem fundo, Seia e Celorico conseguiram reestruturar a dívida; o Fundão, apesar de ter a maior dívida pública da região, vai conseguindo reduzir o tempo de pagamento aos fornecedores). E há o caso de Aguiar da Beira que paga as faturas assim que as recebe… Esse é o caminho.
Luis Baptista-Martins
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